Proposta de Convenção Interamericana de Direito
Internacional Privado (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e
relações de consumo
elaborada por
Claudia Lima Marques,
Professora Titular de Direito Internacional Privado
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Doutora em Direito pela Universidade de Heidelberg,
Alemanha.
Mestre em Direito Civil e Direito Internacional Privado
pela
Universidade de Tübingen e Especialista em Integração
Européia pelo Europa-Institut, Saarbrücken, Alemanha
Vice-Presidente da Association Internationale de Droit
de la Consommation, Bélgica
e Diretora do Brasilcon
I - REGRAS GERAIS
Campo de aplicação
Art. 1 - Definição de Consumidor
1. Consumidor para efeitos desta Convenção é qualquer
pessoa física que, frente a um profissional e nas transações, contratos e
situações abrangidas por esta Convenção, atue com fins que não pertençam ao
âmbito de sua atividade profissional.
2. Consideram-se consumidores também os terceiros
pertencentes a família do consumidor principal ou os acompanhantes outros,
que usufruam diretamente dos serviços e produtos contratados, nos contratos
abrangidos por esta Convenção, como destinatários finais destes.
3. Para o caso de contratos de viagens e de
multipropriedade, considerar-se a consumidores:
a. o contratante principal ou pessoa física que compra ou
se compromete a comprar o pacote turístico, a viagem ou o time-sharing para o
seu uso próprio;
b. os beneficiários ou pessoas terceiras em nome das quais
compra ou se compromete o contratante principal a comprar a viagem ou o
pacote turístico e os que usufruem da viagem ou da multipropriedade por algum
espaço de tempo, mesmo não sendo contratantes principais;
c. o cessionário ou pessoa física aos qual o contratante
principal ou o beneficiário cede a viagem ou pacote turístico ou os direitos
de uso;
4. Se a lei indicada aplicável por esta convenção definir
de forma mais ampla ou benéfica quem deve ser considerado consumidor ou
equiparar outros agentes a consumidores, o juiz competente pode ter em conta
esta extensão do campo de aplicação da convenção, se for mais favorável aos
interesses do consumidor.
Art. 2 - Proteção contratual geral
1. Os contratos e as transações envolvendo consumidores,
especialmente os contratados à distância, por meios eletrônicos, de
telecomunicações ou por telefone, estando o consumidor em seu país de
domicílio, serão regidos pela lei deste país ou pela lei mais favorável ao
consumidor, escolhida entre as partes, se lei do lugar da celebração do
contrato, lei do lugar da execução do contrato, da prestação característica
ou lei do domicílio ou sede do fornecedor de produtos e serviços.
2. Aos contratos celebrados pelo consumidor estando fora
de seu país de domicílio será aplicada a lei escolhida pelas partes, dentre a
lei do lugar de celebração do contrato, a lei do lugar da execução e a lei do
domicílio do consumidor.
Art. 3 Normas imperativas
1. Não obstante o previsto nos artigos anteriores,
aplicar-se-á necessariamente as normas do país do foro que tenham caráter
imperativo, na proteção do consumidor.
2. Tendo sido a contratação precedida de qualquer
atividade negocial, de marketing, do fornecedor ou de seus representantes, em
especial envio de publicidade, correspondências, e-mails, prêmios, convites,
manutenção de filial ou representantes e demais atividades voltadas para o
fornecimento de produtos e serviços e atração de clientela no país de
domicílio do consumidor, aplicar-se-á necessariamente as normas imperativas
deste país, na proteção do consumidor, cumulativamente àquelas do foro e à
lei aplicável ao contrato ou relação de consumo.
Art. 4. Cláusula escapatória
1. A lei indicada como aplicável por esta Convenção pode
não ser aplicável em casos excepcionais, se, tendo em vista todas as
circunstâncias do caso, a conexão com a lei indicada aplicável mostrar-se
superficial e o caso encontrar-se muito mais vinculado estreitamente a outra
lei, mais favorável ao consumidor.
Art. 5 . Temas excluídos
1. Ficam excluídos do campo de aplicação desta convenção:
a. Os contratos de transporte regulados por Convenções
Internacionais;
b. Os contratos de seguros;
c. As obrigações contratuais excluídas expressamente do
campo de aplicação da CIDIP V sobre contratos internacionais .
d. os contratos comerciais internacionais entre
comerciantes ou profissionais;
e. os demais contratos e relações de consumo, e as
obrigações dai resultantes, envolvendo consumidores regulados por convenções
específicas;
II - PROTEÇÃO EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS
Art. 6 - Contratos de viagem e turismo
1. Os contratos de viagem individual contratados em pacote
ou com serviços combinados, como grupo turístico ou conjuntamente com outros
serviços de hotelaria e/ou turísticos serão regulados pela lei do lugar do
domicílio do consumidor, se este coincidir com a sede ou filial da agência de
viagens que vendeu o contrato de viagem ou onde foi feita a oferta,
publicidade ou qualquer ato negocial prévio pelo comerciante, transportador,
agência ou seus representantes autônomos.
2. Nos demais casos, aos contratos de viagem individual
contratados em pacote ou combinados, como grupo turístico ou conjuntamente
com outros serviços de hotelaria e/ou turísticos será aplicável a lei do
lugar onde o consumidor declara a sua aceitação ao contrato.
3. Aos contratos de viagem, não regulados por convenções
internacionais, concluídos através de contratos de adesão ou condições gerais
contratuais, será aplicável a lei do lugar onde o consumidor declara a sua
aceitação ao contrato.
Art. 7 - Contratos de multipropriedade ou time-sharing
1. As normas imperativas de proteção dos consumidores do
país de localização física dos empreendimentos de lazer e de hotelaria que
utilizem-se do método de venda, de uso ou de habitação em multipropriedade ou
time-sharing, localizados nos Estados parte, aplicam-se cumulativamente a
estes contratos, a favor dos consumidores.
2. As normas do país em que for realizada a oferta, a
publicidade ou qualquer atividade de marketing, como telefonemas, convites
para recepções, reuniões, festas, o envio de prêmios, sorteios, estadias ou
vantagens gratuitas, dentre outras atividades negociais dos representantes ou
dos proprietários, organizadores e administradores de time-sharing ou
multipropriedade ou a assinatura de pré-contratos ou contratos de
multipropriedade ou direito de uso/aproveitamento por turno de bens imóveis,
deverão ser levadas em conta a favor do consumidor, quanto à informação, o
direito de arrependimento e seus prazos, bem como as causas de rescisão do
contrato ou pré-contrato, assim como determinarão o exato conteúdo do
contrato acertado e a possibilidade ou não de pagamento ou de assinatura de
boletos de cartões de crédito neste período.
[1] Estudo publicado in Revista dos
Tribunais nr. 788 (jun. 2001), p. 11-56) com o título "A insuficiente
proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado - Da
necessidade de uma Convenção Interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável
a alguns contratos e relações de consumo" e, pela OEA, in “XXVII Curso
de Derecho Internacional - OEA/CIJ, Ed. Secretaría General-Subsecretaria
de Asuntos Jurídicos, Washington, EUA, 2001, p. 657 a 779, com o título:
"A proteção do consumidor: aspectos de direito privado regional e geral”.