Discursos

GOVERNADORA BENEDITA DA SILVA
NA SESSÃO ESPECIAL DO CONSELHO PERMANENTE DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

novembro 25, 2002 - Washington DC


(Saudações protocolares)

Senhoras e senhores, boa tarde!

É com grande satisfação que participo desta Sessão Especial da Organização dos Estados Americanos, dedicada à participação da mulher na política.

Nossa presença, aqui, ao lado de tantas mulheres que alcançaram posições de destaque em seus respectivos países, é a prova maior das conquistas que já obtivemos.

Mas ainda temos grandes desafios a enfrentar, até que as mulheres consigam obter uma representação significativa na esfera política, que reflita a sua real importância em nossas sociedades.

No Brasil, senhoras e senhores, a participação das mulheres na vida política tem sido crescente nas últimas décadas.

A representatividade da mulher, porém, ainda é proporcionalmente muito pequena para quem constitui a maioria da população brasileira.

No Congresso Nacional, somos apenas 6% dos parlamentares.

Há apenas 30 mulheres, entre os 513 deputados da Câmara, e somente 6 mulheres, entre os 81 senadores.

No Executivo, há apenas uma Governadora – eu – entre as 27 unidades da Federação e 307 prefeitas em um universo de 5.506 municípios, o que significa irrisórios 5,48%.

Estes números, lamentavelmente, não refletem nossa efetiva participação na vida do país.

Afinal, as mulheres representam 25% do total de chefes de família brasileiros e, em geral, estão à frente de famílias pobres, que delas dependem para sobreviver, tanto do ponto de vista do dinheiro, propriamente dito, quanto do ponto de vista da formação ética e moral de seus filhos.

Além disso, apenas 25% das brasileiras participam efetivamente dos benefícios proporcionados pela riqueza de nosso país.

A situação, entretanto, vem melhorando e estamos certas de que, a cada dia, as mudanças são maiores e ocorrem em intervalos menores de tempo.

Quando eu era menina e vivia no morro do Chapéu Mangueira, uma favela da Zona Sul do Rio de Janeiro, muito próxima da praia de Copacabana, nenhuma criança negra tinha sequer o direito de sonhar com uma vida muito diferente daquela de suas mães e avós.

Uma rotina de pobreza, de muito trabalho, de injustiças cotidianas e de pouquíssimas perspectivas era o que tínhamos.

O máximo que se podia aspirar era a oportunidade de uma vida digna, como empregada doméstica ou em alguma outra atividade subalterna.

Mas quem, como eu, pretendia um pouco mais que isso, precisava fazer alguma coisa diferente.

O que me levou para a política foram justamente as desigualdades e as injustiças cotidianas, que presenciei e vivi praticamente toda a minha vida.

Como professora de uma escola comunitária, percebi que poderia contribuir para ampliar as possibilidades de crianças e adultos.

Para melhor exercer meu trabalho, fui para a faculdade e me formei em Estudos Sociais e Serviço Social.

Fui uma das fundadoras da Associação dos Moradores do Chapéu Mangueira, instituição que posteriormente presidi.

A experiência adquirida em minha própria comunidade me levou depois a criar o Departamento Feminino da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro.

Estive também à frente do Centro de Mulheres de Favelas e Periferia.

O convívio com os problemas cotidianos das mulheres pobres de meu Estado foi, pouco a pouco, reforçando minha convicção de que era preciso trabalhar, e trabalhar muito, para mudar a realidade de nosso país.

Nos anos 60 e 70, apesar de todas as dificuldades impostas pela ditadura militar, e influenciados pelas lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos, especialmente pela figura de Martin Luther King, os afro-brasileiros começaram a se destacar em algumas áreas, fugindo um pouco do roteiro que a sociedade brasileira tradicionalmente lhes destinava.


Os frutos dessas pequenas mudanças começaram a emergir nos anos 80, favorecidos pela abertura política que se iniciou após a anistia.

Em 1982, fui eleita vereadora pelo Partido dos Trabalhadores – um partido novo, criado na região industrial de São Paulo, que tinha como principal liderança um operário metalúrgico que hoje é o presidente eleito do Brasil.

Utilizei em minha campanha o slogan “Mulher, negra e favelada”.

Esse tripé, que sintetiza uma situação de exclusão e poderia ter resultado em rejeição do eleitorado carioca, tornou-se um elemento positivo, conquistando simpatias e votos até mesmo na classe média.

O Brasil começava verdadeiramente a mudar.

Quatro anos depois, fui eleita deputada federal e, nesta condição, assumi a primeira suplência da mesa diretora da Câmara dos Deputados, encarregada de elaborar a nova Constituição brasileira, que se tornaria um marco no processo de redemocratização de nossa sociedade.

Após dois mandatos como deputada, tornei-me, em 1994, a primeira mulher negra a integrar o Senado Federal, obtendo mais de dois milhões e 200 mil votos.

Em minha atuação parlamentar, concentrei minhas iniciativas em projetos que refletissem as reivindicações dos movimentos sociais contra a discriminação a mulheres, negros, indígenas e demais minorias.

Trabalhei também pela defesa do meio ambiente e dediquei especial carinho à proteção das crianças e dos adolescentes, que constituem o futuro de nosso país.

Minha temporada na capital federal, que seria de oito anos, como Senadora, foi abreviada para atender a uma convocação de meu partido, que participava de uma coalizão para lutar pelo Governo do Rio de Janeiro.

Assim, em 1998, fui eleita vice-governadora do Estado.

Nessa condição, presidi a Conferência Nacional de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, que reuniu mais de 10 mil pessoas de todo o país e traçou o Plano Nacional de Combate ao Racismo.

Logo depois, participei, como delegada brasileira, da Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, na África do Sul.

Foram todas experiências muito marcantes para alguém que nasceu negra e pobre, em uma favela do Rio de Janeiro.

Mas um capítulo muito particular e especial em minha vida é o que estou vivendo agora.

Menos de um mês depois de completar 60 anos, assumi a chefia do Governo do Rio de Janeiro por um período de nove meses, para completar o mandato do Governador, que ia se candidatar à Presidência da República.

Simbólicos nove meses.

O tempo necessário para gerar uma vida.

Tempo suficiente para que, ao contrário de minha geração, cada criança negra e pobre dos dias de hoje em meu Estado, em meu país, perceba que, se estudar, se trabalhar, se lutar, pode ocupar cargos e posições relevantes em nossa sociedade.

Talvez, senhoras e senhores, a lição mais preciosa que possamos dar a nossos filhos e netos seja o exemplo.

O exemplo de uma vida digna e honrada, de uma vida de lutas em favor do que nos parece justo.

O Brasil contemporâneo, senhoras e senhores, é certamente um país bem melhor do que aquele onde nasci.

Mas continua a ser um dos países mais desiguais e socialmente injustos deste planeta.

Apesar disso, acabamos de eleger para a Presidência da República Luís Inácio Lula da Silva.

Pela primeira vez em nossa história, um nordestino que migrou para São Paulo em busca de uma vida melhor e se tornou operário industrial, alcança essa posição.

A vitória de Lula representa uma opção pela esperança, abraçada por 52 milhões de brasileiros de todas as raças e condições sociais.

Mas representa muito mais para aqueles que sempre estiveram à margem, para os que sempre se sentiram excluídos, para os que nunca tiveram oportunidade de sonhar com uma vida melhor.

Novamente, senhoras e senhores, um exemplo.

Um exemplo de que lutando se chega lá.

Lutando se conquista o direito de sonhar e de concretizar os sonhos.

No Brasil, senhoras e senhores, as mulheres conquistaram o direito de votar e serem votadas em 1932.

Cinqüenta anos depois, fui eleita vereadora de minha cidade.

E, setenta anos depois, tornei-me Governadora do Estado.

Sem dúvida, avançamos muito.
Mas os desafios que se colocam diante de nós ainda são muito grandes.

Sabemos bem que são as mulheres, no Executivo e no Legislativo, que se dedicam a defender com especial ênfase projetos e políticas públicas de interesse das próprias mulheres, das crianças e dos jovens.

De todos os segmentos marginalizados ou excluídos de nossa sociedade.

Comprovadamente são delas também os projetos que mexem com as tradições e mudam os costumes.

Por isso, é fundamental ampliar a presença feminina em todas as esferas do poder.

É fundamental acelerar o processo de organização de base de mulheres dentro e fora dos partidos.

É fundamental, enfim, contar cada vez mais com a participação das mulheres na sociedade brasileira e na sociedade que constituímos neste planeta.

E é fundamental também que, independente de partidos ou mesmo ideologias, as mulheres se unam, construam alianças e assumam a dianteira das transformações sociais e políticas.

Alcançar a justiça de gêneros requer uma base eleitoral, uma base jurídica, uma base social.

Mas requer, sobretudo, o envolvimento ativo de todas as mulheres na luta pela ampliação de seus espaços e pela remoção dos obstáculos que ainda dificultam seu acesso ao poder.

Só com uma maior participação das mulheres na tomada de decisões, será possível produzir a harmonia necessária para consolidar, cada vez mais, a democracia em nossas sociedades e promover o seu bom funcionamento.

Para isso, precisamos aumentar os incentivos à formação de lideranças femininas e à sua participação nos mais elevados níveis de decisão.

Acreditamos firmemente que a política é um poderoso instrumento para a emancipação da mulher.

E é, de resto, o que estamos fazendo aqui, nesta tarde, em Washington.

Que este nosso tão rico intercâmbio possa produzir profícua cooperação para que, juntas, possamos amplificar nossas vozes por um mundo melhor, menos excludente, menos intolerante, mais livre, mais justo.
Um mundo de paz.

Muito obrigada.