A CIDH insta El Salvador a implementar ações em segurança pública em conformidade com os direitos humanos, inclusive sob o Regime de Exceção

20 de abril de 2022

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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) insta o Estado de El Salvador a assegurar que as ações de prevenção e sanção aos crimes e à delinquência sejam implementadas dentro dos limites e procedimentos que garantam a segurança pública e o respeito aos direitos e à dignidade humana. O Estado deve observar as garantias judiciais e o devido processo legal em todas as situações, inclusive no contexto do regime de exceção.

A Assembleia Legislativa emitiu o Decreto N°333 “Regime de Exceção” no último dia 27 de março, o qual suspende, por 30 dias, os direitos e as garantias que estão estabelecidas na Constituição da República relacionadas à liberdade de associação, ao direito de reunião, à proteção a ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada, às garantias judiciais, entre outras. Essa iniciativa do Poder Executivo afirma que a declaração “deriva das graves perturbações à ordem pública por grupos de delinquentes que atentam contra a vida, a paz e a segurança da população salvadorenha”, após um aumento crítico no número de mortes violentas registradas desde o dia 25 de março, que aumentou para mais de 92 vítimas fatais.

A CIDH reitera seu rechaço ao aumento de mortes violentas em El Salvador e manifesta sua solidariedade às famílias afetadas, e lembra que as vítimas e suas famílias devem estar no centro das medidas de verdade, justiça e reparação.

Nesse contexto, a Polícia Nacional Civil e as Forças Armadas conduziram operações de segurança pública em nível nacional que resultaram na detenção de pelo menos 9.600 pessoas no dia 12 de abril. Organizações de direitos humanos e a imprensa denunciaram que muitas das detenções foram realizadas de modo ilegal, arbitrário e mediante o uso da violência, estando ainda baseadas em percepções subjetivas sobre o pertencimento das pessoas detidas a grupos criminosos por fatores como a aparência física, a idade ou a zona na qual vivem. Também afirmaram que a suspensão de certas garantias judiciais impediu que se conhecessem as razões da privação de liberdade, assim como o acesso a uma assistência legal e o contato com seus familiares. Afirmaram ainda que parte das pessoas detidas seriam transferidas diretamente a centros penais dada a superlotação das carceragens ou celas policiais.

Por sua vez, o Estado afirmou que, com o fim de garantir o uso racional e proporcional da força durante o Regime de Exceção, foi criado no âmbito da Polícia Nacional Civil um Plano Geral de Supervisão em aplicação ao Decreto Legislativo N°333, bom como um Decálogo sobre o uso da força em Estado de Emergência. Afirmou, ainda, que todas as detenções realizadas se encontram sujeitas ao controle judicial.

No dia 30 de março, por iniciativa do Executivo, a Assembleia Legislativa aprovou um conjunto de reformas à legislação penal e processual que estabelecem agravantes e sanções de até 45 anos de penas privativas de liberdade para delitos relacionados ao crime organizado. Também se contempla a prisão como medida aplicável a adolescentes, com penas de até 20 anos para maiores de 16 anos e de até 10 anos para maiores de 12; além disso, foram eliminados os limites legais anteriormente existentes para a duração da detenção ou internamento provisório em face de certos delitos. Ainda, ficou estabelecido que pessoas operadoras do sistema de justiça com competência penal podem ocultar sua identificação, como “medida de proteção” a elas mesmas.

Diante da supressão de garantias, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) assinalou que, ainda que o Estado tenha o direito e a obrigação de garantir sua segurança e de manter a ordem pública, seu poder não é ilimitado, pois tem o dever, a todo o momento, de aplicar procedimentos de acordo com o ordenamento vigente e de modo a respeitar os direitos fundamentais de todas as pessoas que se encontrem sob sua jurisdição. O artigo 27.1 da Convenção Americana dos Direitos e Deveres do Homem permite a suspensão das obrigações estatais “na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação” em questão e sempre que sejam compatíveis com as obrigações internacionais e não impliquem discriminação.

A Corte também estabeleceu que os Estados têm a obrigação de assegurar que as garantias judiciais indispensáveis para a proteção dos direitos e liberdades consagradas na Convenção se mantenham vigentes em qualquer circunstância, inclusive durante os estados de exceção. Além disso, são consideradas garantias indispensáveis aqueles procedimentos judiciais que ordinariamente são idôneos para garantir o pleno exercício dos direitos e liberdades, que serão distintas segundo os direitos afetados. Tais garantias são aquelas às quais a Convenção se refere expressamente nos artigos 7.5 e 25.1, consideradas dentro do âmbito e segundo os princípios do artigo 8, e também as inerentes à preservação do Estado de Direito, mesmo sob a legalidade excepcional que resulta da suspensão de garantias. Essas garantias judiciais indispensáveis devem permanecer para que se verifique a necessidade, a razoabilidade e a proporcionalidade das medidas.

Por outro lado, a Comissão apontou que as políticas centradas na repressão punitiva por meio do sistema penal não enfrentam as causas subjacentes à violência e recomendou a criação e a implementação de políticas públicas integrais em matéria de segurança pública, com mecanismos de avaliação e prestação de contas, com ampla participação cidadã. Tais políticas devem contemplar a implementação de operações de prevenção e dissuasão de atos de violência ou criminosos, e a geração de capacidades em inteligência policial para um adequado trabalho de prevenção de situações de violência e criminalidade. O Estado afirmou que está em execução o Plano de Controle Territorial, que põe a segurança pública como prioridade nacional, em coerência com a visão de centralidade humana.

Além disso, a CIDH afirmou que a manutenção da ordem pública e da segurança pública devem ser primordialmente reservadas às corporações policiais civis. Assim, a participação das forças armadas em tarefas de segurança deve ser excepcional, temporária, subordinada e complementar ao trabalho das corporações civis, bem como regulada e fiscalizada pelos órgãos civis competentes, independentes e tecnicamente capazes.

A Comissão Interamericana exorta o Estado salvadorenho a realizar o controle de convencionalidade sobre as reformas legislativas em matéria penal, processual penal e, em especial, sobre a justiça juvenil. Lembra, ademais, que a privação da liberdade de adolescentes deve ser uma medida de último recurso e pelo menor tempo possível.

Finalmente, a CIDH insta o Estado de El Salvador a investigar os que sejam responsáveis por violações aos direitos humanos, observando o devido processo legal e o absoluto respeito às garantias judiciais. Também insta a adoção de uma política de segurança pública integral que tenha como premissa a proteção dos direitos humanos.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 082/22

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