RELATORIA ESPECIAL APRESENTA RELATÓRIO ESPECIAL SOBRE A SITUAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM CUBA
Washington D.C. – A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresenta seu relatório especial sobre a situação da liberdade de expressão em Cuba. Este relatório contém seis seções principais, que tratam do marco normativo vigente em Cuba, no qual se encontra a raiz da violação dos direitos humanos, assim como uma breve análise dos aspectos da reforma constitucional apresentada pelo próprio regime, no que concerne ao direito à liberdade de expressão. Além disso, aborda o jornalismo livre e independente em Cuba, mencionando particularmente os meios públicos, a impossibilidade de fundar meios privados, e as práticas de perseguição contra jornalistas independentes. Em virtude de que os jornalistas não são os únicos perseguidos por expressar suas ideias em Cuba, o relatório igualmente analisa a situação de criminalização da crítica e discriminação por motivos políticos contra vários grupos da população, como defensores e defensoras de direitos humanos, artistas, dissidentes políticos, dentre outros. O relatório também trata dos protestos e manifestações sociais. A última parte do relatório faz referências às limitações ao direito à liberdade de expressão pela internet, e aborda os obstáculos relativos à regulamentação do uso de redes e comunicações pela internet, problemas de conectividade e acesso universal, bloqueios e censura de conteúdo, e vigilâncias. Finalmente, com base na análise destes aspectos, a Relatoria Especial apresenta suas conclusões e recomendações ao Estado cubano.
Há mais de meio século, Cuba é um Estado governado por um partido político que impede os canais de dissenso político. O Estado restringe de forma severa os direitos de liberdade de expressão, associação, reunião, movimento e devido processo. Durante décadas, o Estado cubano organizou a máquina institucional para silenciar vozes alheias ao regime, reprimir jornalistas independentes, assim como artistas ou cidadãos que pretendem se organizar para articular suas reivindicações; durante todo esse tempo, o Estado manteve o monopólio sobre os meios de comunicação social. Conforme puderam constatar a CIDH e a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, desta maneira, foi sendo suprimido o debate aberto de ideias e sobre aspectos centrais da vida do país.
Isto ocorre em um contexto, como ressaltado pela Comissão Interamericana, de grave desrespeito dos elementos essenciais da democracia representativa e suas instituições. Historicamente, a CIDH fez críticas à ausência de condições que permitissem uma genuína participação política de setores de linha de pensamento dissidente em Cuba; em particular, a celebração de eleições carentes de pluralidade e independência, com insuperáveis obstáculos que impedem o acesso livre a diversas fontes de informação. A voz crítica ao governo, em sua tentativa de se expressar e participar da condução dos assuntos do país, terminou sendo suprimida devido à presença de um único partido, a proibição da associação com fins políticos, as arbitrárias restrições à liberdade de expressão e ao direito de reunião, dentre outros direitos fundamentais.
Cuba está há décadas dentre os países do continente que exibe uma das piores situações e um dos ambientes menos propícios para o exercício do direito à liberdade de expressão. Exercer o jornalismo em Cuba não se compara nem de perto com a situação em qualquer outro país da região, pelos sérios riscos enfrentados pelos jornalistas e outros grupos da população que buscam expressar opiniões, a inexistência de acesso à informação pública, o temor da população e daqueles que eventualmente podem ser fontes de informações para os jornalistas, dentre outros múltiplos obstáculos.
O controle da liberdade de expressão e das liberdades políticas tem sido permanente durante quase cinco décadas, porém existiram episódios emblemáticos de repressão, como o ocorrido em março de 2003, quando foram detidas massivamente pessoas identificadas como "contrarrevolucionários" por seu pensamento.
Nos últimos anos, a CIDH e sua Relatoria Especial continuaram recebendo informações preocupantes sobre restrições ilegítimas à liberdade de expressão em Cuba, como o contínuo crescimento da perseguição seletiva e deliberada contra meios e organizações independentes que difundem informações e opiniões sobre temas de interesse público alheias ao controle do Estado. São também graves os atos e ameaças por parte de autoridades e funcionários públicos para atemorizar qualquer pessoa que expresse ideias críticas à política e instituições do país, como ativistas, artistas, jornalistas, defensores e defensoras de direitos humanos, intelectuais, dentre outros.
Tudo isto ocorre dentro um marco normativo que, ao invés de proteger a liberdade de expressão, fornece ao Estado ferramentas jurídicas para reprimi-la, particularmente através do direito penal. Também persiste o controle estatal dos meios de comunicação e sobre o acesso a meios digitais, devido à limitada conectividade da população cubana, e o bloqueio de meios de comunicação críticos pela internet. Isto, por sua vez, restringe as informações, as manifestações culturais e o debate de ideias a que podem ter acesso os cubanos mediante a imprensa, rádio, televisão e internet. Todas estas restrições são ilegítimas e violações à liberdade de expressão que a Relatoria Especial vem denunciando há várias décadas, especialmente através de seus relatórios anuais.
Atualmente, a intolerância das autoridades cubanas em relação a toda forma de crítica ou oposição continua sendo a principal restrição ao gozo dos direitos à liberdade de expressão e associação em Cuba. A mudança do governo de fato da Presidência do Conselho de Estado e de Ministros de Raúl Castro a Miguel Díaz-Canel, durante o ano de 2018, criou expectativas de passos positivos em matéria de direitos humanos. No entanto, até o momento, o novo Governo mostra-se, em geral, como uma continuidade em termos de repressão para o exercício da liberdade de expressão em Cuba. É gravemente preocupante que, logo após assumir, Díaz-Canel anunciou que manterá uma posição contrária à liberdade de imprensa e à legalização de meios de comunicação independentes no país.
É ainda mais preocupante observar, inclusive, que nos últimos meses teria aumentado a repressão e a intolerância para desestimular o jornalismo não alinhado com a posição governista, a atividade de defensores de direitos humanos e as críticas de vozes dissidentes. Durante anos, a repressão em Cuba foi caracterizada por manter uma aparência de legalidade, que incluía denúncias penais, a nomeação de defensores de ofício, processos judiciais e/ou sentenças definitivas. Apesar de algumas destas práticas serem mantidas, observam-se variações que parecem estar destinadas a não deixar rastros jurídicos nem documentação que possam ser utilizados como prova dos abusos sofridos. Durante o 169º Período de Sessões da CIDH, vários jornalistas presentes na sessão, e outros através de testemunhos previamente gravados, relataram o que denominaram de uma repressão de "desgaste", que evita a persecução judicial. Estas formas repressivas consistiriam em detenções e interrogatórios humilhantes – em particular de mulheres jornalistas; detenções de até 72 horas sem ordem nem notificação judicial; pressões sobre a família e o entorno social; retenção de equipamentos e subtração de materiais de jornalistas; assim como proibições de saída do país a jornalistas e ativistas.
O modelo atual responderia a uma lógica que se encontra à margem das estruturas jurídicas, que se realiza a partir da segurança do Estado ou estruturas paraestatais que podem ser mais sutis, porém igualmente graves à luz do direito internacional. Além das ferramentas tradicionais utilizadas para reprimir o jornalismo independente, acrescentam-se formas de repressão como ameaças de iniciar processos pela figura penal de "usurpação de funções e usurpação de capacidade legal", contra aqueles que exercem o jornalismos em meios não oficiais e, mais recentemente, a imposição de provas de aptidão para ter acesso à carreira de jornalismo na Universidade estatal.
Neste contexto, a Relatoria Especial observou o processo de reforma constitucional que se levou a cabo em Cuba. A informação disponível indica que, no final de julho de 2018, foi publicado o "Projeto de Constituição da República de Cuba." A CIDH, em um comunicado para a imprensa de 4 de março de 2019, informou que o processo de reforma concluiu com o referendo realizado em 24 de fevereiro de 2019. Naquela ocasião, a Comissão expressou preocupação, dentre outras questões, pela possibilidade de que o referendo não houvesse cumprido com as condições necessárias para eleições livres, secretas, confiáveis e independentes, que salvaguardassem os princípios de universalidade e pluralidade.
A Relatoria Especial considera que o desenvolvimento e a abertura de Cuba é uma questão vinculada estreitamente com o indispensável retorno à democracia e o respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, são elementos essenciais da democracia, o respeito aos direitos humanos, à liberdade de expressão e aos direitos políticos, junto com a realização de eleições livres e baseadas no sufrágio secreto e universal. A liberdade de expressão acompanha o ser humano como uma das liberdades mais valiosas porque permite a cada individuo pensar no mundo a partir de suas próprias perspectivas e eleger seu estilo de vida, assim como a construção de sociedades pluralistas. Portanto, desde o início do atual mandato, a Relatoria Especial vem prestando atenção prioritária à situação de Cuba. Com esse objetivo, o relatório analisa a situação sobre a liberdade de expressão em Cuba a partir dos parâmetros do sistema interamericano e, em consonância com os mesmos, oferece recomendações ao Estado que permitiriam contribuir à efetiva vigência deste direito no país.
A Relatoria Especial concluiu que Cuba continua sendo o único país do continente no qual não existem quaisquer tipos de garantias para o exercício do direito à liberdade de expressão. Um Estado no qual persiste o grave desrespeito aos elementos essenciais da liberdade de expressão, da democracia representativa e suas instituições. Apesar do passar dos anos e das reiteradas recomendações sobre o tema, a intolerância continua sendo a regra das autoridades cubanas em relação a toda forma de crítica ou oposição, e a principal limitação aos direitos e liberdades fundamentais em Cuba.
Permanece um modelo de monopólio estatal sobre os meios de comunicação e se mantém a proibição de fundar meios privados, o que é incompatível com os parâmetros internacionais sobre liberdade de expressão. A perseguição seletiva e deliberada contra meios e jornalistas independentes continua, e inclusive recrudesce em certos períodos. Esta perseguição de forças estatais ou tolerada pelo Estado manifesta-se concretamente em detenções arbitrárias, ameaças e atos de intimidação ou censura em detrimento de jornalistas que difundem ideias, opiniões e informações críticas ao partido do governo. Também se expressa através de vários atos e ameaças por parte de autoridades e funcionários públicos para atemorizar qualquer pessoa que expresse ideias críticas à política e instituições do país, como artistas, defensores e defensoras de direitos humanos, dissidentes políticos, dentre outros.
As práticas repressivas da atualidade parecem responder a uma lógica que está à margem das estruturas jurídicas, porém estão longe de desaparecer. Pelo contrário, são replicadas intensamente nos novos meios de comunicação. Em termos de internet, as disposições legais extremamente restritivas e ambíguas, a limitada conectividade da população cubana, o bloqueio e censura de meios críticos, e as vigilâncias, impedem gravemente o exercício dos direitos à liberdade de expressão, privacidade e intimidade na rede.
O ordenamento jurídico cubano, desde a própria Constituição, até normas legais ou regulamentárias que se indicam no relatório, está a serviço da repressão do dissenso e da crítica. Destarte, na opinião da Relatoria Especial, o principal problema da legislação vigente é o seu caráter abertamente repressivo da liberdade de expressão. Ao invés de proteger o exercício da liberdade de expressão, e demais direitos e liberdades fundamentais, o marco normativo fornece ao Estado ferramentas jurídicas para reprimi-la. Estabelece, ainda, a existência de uma grave discriminação por motivos políticos no exercício dos direitos humanos, pois todo aquele que pensa ou quer se expressar de forma crítica ao regime socialista não pode exercer seus direitos sem repressão.
R63/19