Liberdade de Expressão

Comunicado de imprensa R237/21

A Relatoria adverte sobre os riscos para o direito à liberdade de expressão na internet no Brasil ante a reforma do Marco Civil da Internet

9 de setembro de 2021

Washington D.C – A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta sua preocupação ante a aprovação da Medida Provisória nº 1068, editada no dia 6 de setembro de 2021 pelo Poder Executivo do Brasil, que modifica o Marco Civil da Internet e a Lei sobre Direitos Autorais, para regular o uso das redes sociais no Brasil.

O Marco Civil da Internet do Brasil, adotado em 2014 depois de distintas rodadas de debates no Congresso Nacional, representa um símbolo do avanço de marcos regulatórios protetores do direito à liberdade de expressão e à privacidade na internet, tanto nas Américas como no mundo. O artigo 19 dessa lei, que acata uma das garantias mínimas e boas práticas dos Princípios de Manila sobre Responsabilidade de Intermediários de Internet, dispõe que as plataformas de somente poderão ser responsabilizadas civilmente pelo conteúdo publicado por suas usuárias e seus usuários se, recebendo uma ordem judicial, não adotam as medidas para eliminar as publicações que lhes ordena. Em contraste, preocupa a este Escritório que a Medida Provisória n.º 1068, editada no último 6 de setembro, inverte essa lógica de responsabilidade do Marco Civil da Internet e estabelece um rol taxativo de causas pelas quais as companhias poderiam suspender contas ou eliminar conteúdo de suas plataformas. Dessa forma, se obrigaria a manutenção online de todo conteúdo que a norma não considera suscetível de ser retirado sem ordem judicial por justa causa. Segundo se reportou a este Escritório, as causas propostas pelo Executivo não logram abarcar completamente a multiplicidade de atos que poderiam vulnerar os direitos das e dos usuários na internet; e correm o risco de deixar de fora distintas situações cuja resposta, por parte das plataformas, pode resultar crucial em muitas ocasiões.

Este Escritório reconhece que a moderação privada de conteúdos exerce um papel cada vez mais relevante na governança digital. Ademais, a RELE já apontou que os dilemas sobre a compatibilidade dos processos, decisões e modelos de negócio das empresas privadas com estândares internacionais de direitos humanos representam, hoje, um dos principais desafios para a liberdade de expressão no hemisfério. Sobre esse aspecto, a Relatoría considera que enquanto que exigir das plataformas uma ordem judicial para a eliminação de certos conteúdos ou contas pode se constituir uma salvaguarda ou garantia de devido processo para as usuários e os usuários, inverter a lógica e impor a existência de uma ordem judicial como regra para a moderação de conteúdos – com uma limitada lista de exceções – poderia obrigar as plataformas a se absterem de eliminar conteúdo à toda evidência ilegal ou violador direitos humanos, sob o argumento de se garantir a liberdade de expressão. Em que pese nas últimas décadas o direito internacional dos direitos humanos tenha fornecido diretrizes a respeito da importância de adoção de políticas claras, transparentes e prévias por parte das companhias de internet, em nenhum caso se promoveu a proibição da moderação de conteúdos como uma alternativa adequada para a proteção dos direitos das e dos usuários.

Por outra parte, tal como ressaltou o relatório "Estândares para uma internet livre, aberta e inclusiva", a relevância da internet como plataforma para o gozo e exercício dos direitos humanos está diretamente vinculada com a arquitetura da rede e com os princípios que a regem. Por isso, a criação de marcos regulatórios herméticos ou com condições taxativas podem atentar contra seu desenvolvimento e funcionamento e, também, contra as possibilidades de inovação.

Adicionalmente, a Relatoria considera que a medida provisória em questão foi editada em um contexto social especialmente delicado no Brasil e sob um mecanismo que optou por excluir a participação e debate de partes interessadas no âmbito do órgão legislativo. Nesse sentido, segundo o que pôde conhecer este Escritório, ainda se discute se a medida provisória cumpriria ou não com os requisitos formais de relevância e urgência que são exigidos de uma norma jurídica dessa natureza.

Finalmente, preocupa a Relatoria a falta de abertura do Estado para o debate e para a participação dos distintos atores interessados no processo de elaboração da normativa. Nos meses prévios, este Escritório foi informado sobre um projeto de decreto executivo que, almejando reformar o Marco Civil da Internet e com objetivos similares ao da Medida Provisória em questão, buscava limitar as faculdades de plataformas de internet moderarem conteúdos produzidos por suas usuárias e seus usuários. À época, organizações da sociedade civil dedicadas à defesa dos direitos humanos no entorno digital alertaram a Relatoria sobre a proposta, destacando que poderia prejudicar os esforços para combater problemáticas prementes, como a desinformação, a discriminação ou a violência online. Este Escritório considera fundamental que qualquer regulação que impacte no funcionamento da internet seja o resultado de um diálogo robusto e participativo e que contemple a natureza aberta, plural e descentralizada e o potencial transformador da internet.

A partir das considerações expostas, a Relatoria faz um chamado ao Estado para o debate e participação dos distintos atores interessados no processo de elaboração dessa normativa. Como é de conhecimento do Estado brasileiro, a Relatoría estendeu um convite para manter um diálogo multisetorial particularmente sobre esse diploma normativo.

A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão é um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos humanos (CIDH) para estimular a defesa continental do direito à liberdade de pensamento e expressão, considerando seu papel fundamental na consolidação e no desenvolvimento do sistema democrático.

R237/21

 

A Relatoria adverte sobre os riscos para o direito à liberdade de expressão na internet no Brasil ante a reforma do Marco Civil da Internet

9 de setembro de 2021

Washington D.C – A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta sua preocupação ante a aprovação da Medida Provisória nº 1068, editada no dia 6 de setembro de 2021 pelo Poder Executivo do Brasil, que modifica o Marco Civil da Internet e a Lei sobre Direitos Autorais, para regular o uso das redes sociais no Brasil.

O Marco Civil da Internet do Brasil, adotado em 2014 depois de distintas rodadas de debates no Congresso Nacional, representa um símbolo do avanço de marcos regulatórios protetores do direito à liberdade de expressão e à privacidade na internet, tanto nas Américas como no mundo. O artigo 19 dessa lei, que acata uma das garantias mínimas e boas práticas dos Princípios de Manila sobre Responsabilidade de Intermediários de Internet, dispõe que as plataformas de somente poderão ser responsabilizadas civilmente pelo conteúdo publicado por suas usuárias e seus usuários se, recebendo uma ordem judicial, não adotam as medidas para eliminar as publicações que lhes ordena. Em contraste, preocupa a este Escritório que a Medida Provisória n.º 1068, editada no último 6 de setembro, inverte essa lógica de responsabilidade do Marco Civil da Internet e estabelece um rol taxativo de causas pelas quais as companhias poderiam suspender contas ou eliminar conteúdo de suas plataformas. Dessa forma, se obrigaria a manutenção online de todo conteúdo que a norma não considera suscetível de ser retirado sem ordem judicial por justa causa. Segundo se reportou a este Escritório, as causas propostas pelo Executivo não logram abarcar completamente a multiplicidade de atos que poderiam vulnerar os direitos das e dos usuários na internet; e correm o risco de deixar de fora distintas situações cuja resposta, por parte das plataformas, pode resultar crucial em muitas ocasiões.

Este Escritório reconhece que a moderação privada de conteúdos exerce um papel cada vez mais relevante na governança digital. Ademais, a RELE já apontou que os dilemas sobre a compatibilidade dos processos, decisões e modelos de negócio das empresas privadas com estândares internacionais de direitos humanos representam, hoje, um dos principais desafios para a liberdade de expressão no hemisfério. Sobre esse aspecto, a Relatoría considera que enquanto que exigir das plataformas uma ordem judicial para a eliminação de certos conteúdos ou contas pode se constituir uma salvaguarda ou garantia de devido processo para as usuários e os usuários, inverter a lógica e impor a existência de uma ordem judicial como regra para a moderação de conteúdos – com uma limitada lista de exceções – poderia obrigar as plataformas a se absterem de eliminar conteúdo à toda evidência ilegal ou violador direitos humanos, sob o argumento de se garantir a liberdade de expressão. Em que pese nas últimas décadas o direito internacional dos direitos humanos tenha fornecido diretrizes a respeito da importância de adoção de políticas claras, transparentes e prévias por parte das companhias de internet, em nenhum caso se promoveu a proibição da moderação de conteúdos como uma alternativa adequada para a proteção dos direitos das e dos usuários.

Por outra parte, tal como ressaltou o relatório "Estândares para uma internet livre, aberta e inclusiva", a relevância da internet como plataforma para o gozo e exercício dos direitos humanos está diretamente vinculada com a arquitetura da rede e com os princípios que a regem. Por isso, a criação de marcos regulatórios herméticos ou com condições taxativas podem atentar contra seu desenvolvimento e funcionamento e, também, contra as possibilidades de inovação.

Adicionalmente, a Relatoria considera que a medida provisória em questão foi editada em um contexto social especialmente delicado no Brasil e sob um mecanismo que optou por excluir a participação e debate de partes interessadas no âmbito do órgão legislativo. Nesse sentido, segundo o que pôde conhecer este Escritório, ainda se discute se a medida provisória cumpriria ou não com os requisitos formais de relevância e urgência que são exigidos de uma norma jurídica dessa natureza.

Finalmente, preocupa a Relatoria a falta de abertura do Estado para o debate e para a participação dos distintos atores interessados no processo de elaboração da normativa. Nos meses prévios, este Escritório foi informado sobre um projeto de decreto executivo que, almejando reformar o Marco Civil da Internet e com objetivos similares ao da Medida Provisória em questão, buscava limitar as faculdades de plataformas de internet moderarem conteúdos produzidos por suas usuárias e seus usuários. À época, organizações da sociedade civil dedicadas à defesa dos direitos humanos no entorno digital alertaram a Relatoria sobre a proposta, destacando que poderia prejudicar os esforços para combater problemáticas prementes, como a desinformação, a discriminação ou a violência online. Este Escritório considera fundamental que qualquer regulação que impacte no funcionamento da internet seja o resultado de um diálogo robusto e participativo e que contemple a natureza aberta, plural e descentralizada e o potencial transformador da internet.

A partir das considerações expostas, a Relatoria faz um chamado ao Estado para o debate e participação dos distintos atores interessados no processo de elaboração dessa normativa. Como é de conhecimento do Estado brasileiro, a Relatoría estendeu um convite para manter um diálogo multisetorial particularmente sobre esse diploma normativo.

A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão é um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos humanos (CIDH) para estimular a defesa continental do direito à liberdade de pensamento e expressão, considerando seu papel fundamental na consolidação e no desenvolvimento do sistema democrático.

R237/21