Imprensa da CIDH
Washington, D.C. / Cidade do Panamá – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sua Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão e o Escritório Regional do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos para a América Central e a República Dominicana (EACNUDH) condenam energicamente os reiterados atos de perseguição realizados pelas autoridades nicaraguenses contra os meios de comunicação, jornalistas, trabalhadoras e trabalhadores da imprensa registrados no contexto das eleições presidenciais de Novembro de 2021.
Nos últimos dois meses e em face da intensificação da repressão no país, a CIDH e o EACNUDH documentaram que pelo menos 12 jornalistas da imprensa escrita, emissoras de rádio, de televisão e meios digitais de diferentes regiões do país viram-se compelidos ao exílio por temor de represálias.
Em 20 de maio, as autoridades iniciaram investigações administrativas e penais contra a Fundação Violeta Barrios de Chamorro, uma das principais organizações dedicadas à defesa da liberdade de imprensa no país, que havia cessado de operar em fevereiro de 2021 devido aos requisitos impostos pela Lei de Agentes Estrangeiros, assim como a filial nicaraguense da organização de escritores e escritoras PEN International. Essa lei, aprovada em 2020, considera "agentes estrangeiros" as ONG's que obtenham recursos oriundos de cooperação internacional, lhes proíbe de trabalhar em "temas de política interna e externa" do país, sem defini-los de modo preciso, e estabelece controles arbitrários e excessivos que impedem o trabalho legítimo da sociedade civil nicaraguense. Esta legislação foi questionada por meio de carta enviada por relatores das Nações Unidas e pela CIDH, por apresentar problemas graves e fundamentais de compatibilidade com as obrigações da Nicarágua no âmbito do direito internacional.
Nesse mesmo 20 de maio foi também invadida a sede da revista digital Confidencial e, também, o programa televisivo Esta Semana, ambos dirigidos por Carlos Fernando Chamorro, quem um mês depois se viu novamente compelido ao exílio, de onde havia regressado no final de novembro de 2019.
Por outro lado, no âmbito da investigação penal contra a Fundação Violeta Barrios de Chamorro por suspeita de lavagem de dinheiro relacionada com a utilização de fundos da cooperação internacional, em aplicação da Lei N° 977 Contra a Lavagem de Ativos, o Financiamento ao Terrorismo e o Financiamento à Proliferação de Armas de Destruição em Massa, entre 28 de maio e 15 de junho, foram detidos a ex-diretora e pré-candidata presidencial, Cristiana Chamorro Barrios, seu motorista, Pedro Vásquez Cortedano, e dois trabalhadores da Fundação, Walter Gómez Silva e Marcos Fletes Casco. Todas essas pessoas são beneficiárias de medidas cautelares concedidas pela CIDH.
Além disso, o Ministério Público convocou para depor mais de 25 jornalistas, trabalhadoras e trabalhadores da mídia (TBC) que colaboraram ou tomaram parte em atividades da Fundação Violeta Barrios de Chamorro. Em várias desses depoimentos as pessoas convocadas teriam sido ameaçadas com imputações penais e com a aplicação da Lei Especial de Crimes Cibernéticos, caso se negassem a "colaborar" ou exigissem a presença de um advogado de defesa, além de terem sido alvo de atos de intimidação nas imediações do Ministério Público.
Nos dias 20 e 21 de junho, respectivamente, foram detidos dois jornalistas, Miguel Mora e Miguel Mendoza. O primeiro, inclusive, era pré-candidato presidencial, proprietário e antigo diretor do canal de televisão 100% Notícias. O cronista desportivo Miguel Mendoza teria sido detido em razão dos seus comentários críticos nas redes sociais. Ambos continuam presos e totalmente incomunicáveis, sob alegações genéricas baseadas na Lei 1055 de Defesa dos Direitos do Povo à Independência, à Soberania e à Autodeterminação para a Paz, com base em um procedimento sem as devidas garantias processuais.
Finalmente, em 13 de agosto, a Polícia Nacional e o Ministério Público invadiram as instalações do jornal La Prensa, apreenderam bens materiais e detiveram no dia seguinte seu gerente geral, Juan Lorenzo Holmann Chamorro, no âmbito de uma investigação por supostos crimes de fraude aduaneira, lavagem de dinheiro, bens e ativos. Também foram recebidos relatórios sobre a incomunicabilidade dos trabalhadores durante a invasão e a suspensão temporária do servidor interno do La Prensa, o que teria impedido a publicação em sua página web. No dia 12, este mesmo jornal teria denunciado que a retenção de papel de imprensa por parte da autoridade aduaneira há mais de 20 dias, o teria forçado a interromper a publicação de sua edição impressa e a continuar unicamente na edição digital.
Essas reiteradas condutas constituem graves ataques e restrições indevidas contra o direito à liberdade de expressão, que em alguns casos constituem atos de censura. Tudo isto afeta não apenas os direitos de jornalistas e proprietários de meios de comunicação, mas também o direito de todos os cidadãos e cidadãs de terem acesso a uma informação plural.
Tal como afirmou o Comitê de Direitos Humanos, "a livre veiculação de informações e ideias sobre as questões públicas e políticas [...] é indispensável para garantir o pleno exercício dos direitos [de participação política]. Isto comporta a existência de uma imprensa e de outros meios de comunicação livres e capazes para comentar questões públicas sem censura nem limitações, assim como para informar a opinião pública"1.
A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da CIDH considera este direito "um requisito indispensável para a existência mesma de uma sociedade democrática" e afirma que "as restrições à livre circulação de ideias e opiniões, assim como a imposição arbitrária de informações e a criação de obstáculos ao livre fluxo informativo violam o direito à liberdade de expressão", e alerta que as "pressões diretas ou indiretas que buscam silenciar o trabalho informativo dos comunicadores sociais são incompatíveis com a liberdade de expressão".
O assédio, a censura, a estigmatização e a perseguição estatal à imprensa, as detenções e os processos legais arbitrários contra a mídia, jornalistas e organizações que defendem a liberdade de imprensa são incompatíveis com a proteção da liberdade de expressão e geram um clima generalizado de medo e autocensura. No âmbito de um processo eleitoral são ainda mais graves e incompatíveis com a democracia e com as obrigações internacionais da Nicarágua em matéria de direitos humanos.
A CIDH, sua RELE e o EACNUDH exortam o governo a cessar toda conduta que viole os direitos dos jornalistas e meios de informação, a liberar de imediato todas as pessoas detidas arbitrariamente e a restabelecer o pleno gozo de todos os direitos civis e políticos, em especial todas as garantias para que os meios de comunicação continuem informando livres de interferências indevidas. Do mesmo modo, convidam a comunidade internacional a somar esforços que contribuam positiva e efetivamente à garantia dos direitos humanos na Nicarágua.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
1 Comité de Derechos Humanos, Observación General No. 25, Artículo 25 - La participación en los asuntos públicos y el derecho de voto, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 at 194 (1996), párr. 25. [Comitê de Direitos Humanos, Comentário Geral N°25, Artigo 25 – Sobre o Direito de participar da condução de assuntos públicos, direito de voto e direito à igualdade de acesso em funções públicas].
No. 216/21
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