CONSELHO PERMANENTE DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

GT/CDI-2/01 add. 9
13 agosto 2001
Original: espanhol

 

Grupo de Trabalho Encarregado de Estudar o Projeto de Carta Democrática Interamericana

 

 

 

 

 

COMENTÁRIOS E PROPOSTAS DOS ESTADOS MEMBROS

AO PROJETO DE CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

 

Venezuela

 

 

 

MISSÃO PERMANENTE DA VENEZUELA

JUNTO À ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

 

 

OEA-315

 

Missão Permanente da Venezuela apresenta seus cumprimentos à Organização dos Estados Americanos – Secretaria do Conselho Permanente – ao encaminhar-lhe, anexo à presente, o documento intitulado "Propostas da Venezuela ao Projeto de Carta Democrática Interamericana".

 

A Missão Permanente da Venezuela solicita a essa Secretaria que o documento em questão, com seus anexos, seja publicado e distribuído nos idiomas oficiais da OEA, anexando, para tanto, um disquete que contém a referida documentação.

 

A Missão Permanente da Venezuela junto à Organização dos Estados Americanos aproveita a oportunidade para reiterar à Organização dos Estados Americanos – Secretaria do Conselho Permanente – seus protestos de mais alta estima e distinta consideração.

 

 

Washington, 13 de agosto de 2001

ÍNDICE

 

 

 

I. Propostas da Venezuela acerca do Projeto de Carta Democrática Interamericana

 

 

 

ANEXOS:

 

 

II. Discurso pronunciado pelo Senhor Chanceler da República Bolivariana da Venezuela, Luis Alfonso Dávila García, no Trigésimo Primeiro Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da OEA, San José, 3 de junho de 2001

 

 

III. Intervenção do Representante Permanente da Venezuela junto à OEA, Embaixador Jorge Valero, no Conselho Permanente, 21 de maio de 2001

 

 

IV. Intervenção do Representante Permanente da Venezuela junto à OEA, Embaixador Jorge Valero, no Conselho Permanente, 29 de maio de 2001

 

 

 

 

MISSÃO PERMANENTE DA VENEZUELA

JUNTO À ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

 

 

PROPOSTAS DA VENEZUELA ACERCA DO PROJETO

DE CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

 

O Governo da Venezuela, através do Ministério das Relações Exteriores, criou uma Mesa de Diálogo com o propósito de auscultar a opinião dos mais diversos setores da Sociedade Venezuelana sobre a Carta Democrática Interamericana. Este documento reflete, portanto, a vontade coletiva de um povo – o venezuelano – que hoje é protagonista e testemunha de um inédito processo revolucionário de natureza pacífica que se desenvolve no âmbito democrático e se inspira nos princípios mais avançados e progressistas do mundo, consagrados em sua nova Constituição.

 

A Venezuela quer trazer suas contribuições para os temas específicos a seguir mencionados:

 

I. A DEMOCRACIA NO HEMISFÉRIO

II. DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

III. DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO

IV. DEMOCRACIA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

V. DEMOCRACIA E OS DIREITOS DA MULHER

VI. DEMOCRACIA E LUTA CONTRA A POBREZA

VII. CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

VIII. CARTA DEMOCRÁTICA: RESOLUÇÃO OU PROTOCOLO MODIFICADOR?

IX. OUTRAS ALTERAÇÕES OU ACRÉSCIMOS

 

 

 

I. A DEMOCRACIA NO HEMISFÉRIO

 

A melhor definição de democracia foi formulada pelo grande homem da América, o Libertador Simón Bolívar, no Discurso de Angostura, 1819, quando disse: "O sistema de governo mais perfeito é aquele que produz maior soma de felicidade possível, maior soma de segurança social e maior soma de estabilidade política".

 

A democracia, como afirmava Winston Churchill, não é um sistema de governo perfeito, mas é o que mais se aproxima da perfeição. A democracia – sem dúvida alguma – é um sistema que torna possível a busca permanente de seu aperfeiçoamento na dinâmica social, capaz de alcançar respostas e aplicar soluções criativas para as necessidades básicas dos povos.

 

A democracia, como valor compartilhado e como projeto societário, instalou-se com renovada força no Hemisfério.

 

Durante a Guerra Fria, a vigência ou ausência de regime democrático não poucas vezes encontrou-se subordinada aos interesses da política de segurança das grandes potências.

 

Naqueles tempos alguns governantes apelavam para o expediente da soberania quando acusados de não serem democráticos e violarem os direitos humanos. Naquela atmosfera de confrontação bipolar, não isenta de reducionismos políticos, era difícil defender o ideário democrático, pois a forma de governo era considerada assunto interno de cada país. Agora, pelo contrário, a defesa da democracia e o combate aos seus adversários são objetivos do Sistema Interamericano.

 

Desde 1948 – ano da criação da OEA – temos passado por um longo período da história no qual a governabilidade tem sido posta à prova: autoritarismos indesejáveis e democracias redentoras, liberdades amputadas e conquistas libertárias. Vivemos momentos para a reflexão, para examinar conquistas e carências.

 

Na década de 80, ditaduras militares e regimes autoritários foram substituídos na América Latina, um depois do outro, por combativos movimentos políticos e sociais, os quais lograram alcançar sistemas pluralistas que atribuem especial importância ao respeito das liberdades fundamentais e dos direitos humanos. A democracia instalou-se, com promissora força, em quase todos os confins do Hemisfério. Não obstante, a democracia como projeto político pode entrar em colapso.

 

No atual período da história do Hemisfério o triunfo da democracia não está definitivamente assegurado. O fracasso dos modelos econômicos, a corrupção, o partidarismo exagerado, o descontentamento popular em face das terríveis desigualdades e injustiças, a exclusão social e a ausência de participação política cidadã podem perturbar a estabilidade de nossos governos. Interessantes experimentos políticos democráticos trazidos pelo voto podem perder sua legitimidade em decorrência do fracasso econômico-político e da degradação ética.

 

As eleições outorgavam a certos governos fachadas democráticas, mas não raro seu principal propósito consistia em legitimar os interesses de elites políticas e econômicas. Eleições, sim. Alternância, sim. Pluralismo, sim. Mas isso não basta. A democracia deve ir mais além do ato eleitoral e criar mecanismos para que a participação de todos os atores sociais e políticos – sem exclusão alguma – seja uma realidade cotidiana. Igualmente, a democracia deve possuir um profundo conteúdo social.

 

O avanço da democracia nas Américas tem sido incontível e crescente nas últimas duas décadas.

 

Infamantes ditaduras militares e odiosos autoritarismos foram substituídos por governos eleitos pelo povo no Hemisfério.

 

Tempo luminoso o que vivemos. Observamos um florescimento democrático num mundo que, com o fim da Guerra Fria, abriu esplêndidas possibilidades para avançar na conquista de novos e mais amplos espaços para a liberdade e a dignidade humana. Contudo, são também tempos dramáticos, quando observamos o surgimento de novos conflitos de índole política, étnica, territorial, cultural, religiosa que solapam as bases da paz e da convivência internacional. Também são tempos calamitosos, pois a pobreza é um flagelo que aflige milhões de seres humanos.

 

A democracia, como ideário, forjou os melhores destinos e inspirou as lutas de povos que buscam a paz, a igualdade e a liberdade. A democracia como utopia iluminou esperanças redentoras. A luta por sua defesa e aperfeiçoamento, a vontade de exercê-la plenamente constituem um fascinante desafio para os que se propõem a convertê-la em realidade.

 

A Venezuela hoje desfruta de um sistema democrático não apenas porque assim o determina o texto constitucional vigente mas, sobretudo, porque os que exercem o poder fazem do ideário democrático uma prática, uma maneira de entender e cultivar a convivência humana.

 

Enfrentar a dívida social, combater a pobreza, conservar o patrimônio natural e cultural constituem desafios irrenunciáveis para os governos democráticos no Hemisfério. Este é o compromisso do Governo da Venezuela. O Presidente Hugo Chávez lidera um promissor processo revolucionário que é democrático por sua natureza libertária, pacífico pelos meios que utiliza e popular pelo ânimo justiceiro que o inspira.

 

A democracia que impera na Venezuela custou muitos sofrimentos e sacrifícios. A Constituição Bolivariana, fruto de um debate amplo e participativo, aprovada em Referendo, consagra os princípios mais avançados e humanistas que a legislação contemporânea reconhece.

 

Na Venezuela vive-se na atualidade um verdadeiro processo democrático. Processo que é, em essência, antiautoritário. Um bom paradigma de antiautoritarismo é o próprio Presidente Hugo Chávez. Não houve na história recente do país – desde o período governamental de Isaías Medina Angarita (1941-45) – um governo mais democrático como o que existe hoje na Nação venezuelana.

 

Nos termos do Projeto de Carta Democrática, no seu artigo 3, que se discute atualmente na OEA, são elementos essenciais da democracia:

 

    • A celebração de eleições livres e justas
    • O acesso ao poder por meios constitucionais
    • O regime pluralista de partidos e organizações políticas
    • O respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

 

Esses componentes estão plenamente vigentes na Venezuela. São respeitadas de forma absoluta, e como nunca, as liberdades fundamentais. A oposição política tem a possibilidade de expressar-se – sem limitação alguma – por todos os meios de comunicação social.

 

O governo permite que o sentimento popular se expresse livremente. Não são poucas as frustrações que o povo venezuelano padeceu nas últimas décadas. Diante dos protestos procede-se de maneira dialogada e – deve ressaltar-se – de forma antiautoritária. O governo tem como norma permanente solucionar os conflitos sociais por métodos pacíficos.

 

Passaram-se dois anos de governo e não existem presos políticos. Nenhum jornal foi fechado. Os opositores políticos exercem a crítica sem limitações. O Presidente Hugo Chávez e o Governo mantêm, como é absoluta e transparentemente visível, o maior respeito à liberdade de expressão, à crítica, aos direitos dos opositores políticos.

 

 

 

II. DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

 

Os princípios e valores fundamentais da democracia devem ser examinados à luz das novas realidades de nosso tempo: a guerra fria desapareceu, anacrônicos totalitarismos jazem no monturo da história, infamantes ditaduras estão em plano de retirada. Vivemos – por sorte – um renascimento e expansão das liberdades democráticas. O respeito aos direitos humanos foi consagrado na legislação hemisférica. O Sistema Interamericano que se ocupa da matéria é aceito como necessário por todos os governos que o constituem. São essas as características da nova era.

 

Embora os avanços democráticos sejam incontestáveis, não são poucas as agressões que ainda se cometem, na realidade, contra os setores populares e grupos mais vulneráveis da sociedade, demonstrando que os direitos humanos podem ser espezinhados ainda que os governantes tenham sido eleitos mediante o sufrágio.

 

Democracia e Direitos Humanos são dois componentes que se reforçam e condicionam mutuamente. A plena observância desses direitos constitui o maior desafio enfrentado por um governo democrático.

 

As liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão e seu exercício, são uma categoria desses direitos. Outra é a proteção que o cidadão merece contra todo tipo de abuso: não se pode deter pessoa alguma de forma arbitrária nem submetê-la a torturas e maus tratos que solapem sua dignidade. Um terceiro tipo de direitos – os mais importantes na região e não poucas vezes infringidos – se refere à satisfação das necessidades vitais que assegurem a todos os grupos sociais um nível de vida justo e digno.

 

A garantia universal e indivisível dos direitos humanos, entre os quais se sobressaem o direito à vida e à justiça social, é propósito irrenunciável e componente intrínseco de um Estado de Direito consubstanciado com as aspirações dos povos do Hemisfério.

 

A Venezuela aspira a massificar a aplicação dos direitos humanos para que todos os cidadãos, sem distinção de posição social, etnia, nacionalidade ou credo, possam sentir-se protegidos e seguros de que sua dignidade será respeitada. Por esse motivo, seu governo tem a inquebrantável determinação de assegurar que qualquer violação desses direitos será investigada, seus autores punidos, e que suas vítimas terão uma reparação justa e necessária.

 

A Constituição Bolivariana incorporou os novos conceitos que surgiram nos últimos anos no direito internacional a fim de afinar-se com as necessidades de justiça social e as exigências dos Tratados e Convenções internacionais ratificados pela Venezuela, os quais foram consagrados na Carta Magna em nível constitucional. São de aplicação imediata e direta pelos tribunais e demais órgãos do poder público.

 

Não obstante ser o tema dos Direitos Humanos o mais importante dentre os que hoje são discutidos no âmbito hemisférico, ainda não se conseguiu sensibilizar todos os atuais governantes.

 

Os direitos humanos e sua prática constituem a base de todo sistema político que promove a concórdia, o pluralismo, a justiça e a tolerância. São o bálsamo regenerador do tecido dos Estados, das sociedades e de suas respectivas ordens jurídicas e políticas.

 

Não são poucos os obstáculos que ameaçam a consolidação de uma cultura da paz e, por conseguinte, de uma cultura dos direitos humanos, que não é outra senão a cultura democrática em cujo contexto são validados e florescem esses direitos. Paralelamente ao fortalecimento das experiências democráticas, à busca afanosa de liberdade e ao renascimento de uma consciência moral e global concernente à dignidade da pessoa humana, a organização pública deste tempo – interna e internacional – ainda sofre de severas falhas que incidem de maneira negativa sobre as seguranças indispensáveis para o exercício efetivo de tais direitos.

 

Sem direitos humanos não se pode falar de liberdade. Sem direitos humanos não se pode falar de democracia. Sem direitos humanos a democracia perde sentido como forma de vida e como a expressão mais acabada da ética social. Sem direitos humanos se ampliam os espaços para a dissensão destrutiva, para o desassossego das consciências. Afirma o Papa João Paulo II: "Tudo o que protege os direitos humanos, tudo o que fomenta a dignidade através do desenvolvimento integral, convém à paz".

 

O acervo que nos legou a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, sua reiteração prescriptiva com os Pactos Internacionais de 1966, a ratificação em Viena do caráter universal e interdependente de todos os direitos reconhecidos, a Carta da OEA e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José), de 1969, nos dão a medida exata da ordem humana, perfectível e adequada às exigências do porvir. Contudo, se aspiramos a que os direitos humanos sejam algo mais que um conjunto de nobres prerrogativas, muitas vezes sem sustento na realidade, eles não podem divorciar-se da prática democrática, o que compromete, sem atenuantes, todos os integrantes da sociedade interamericana.

 

Por isso a Carta Democrática deve constituir-se em um documento fundamental, que sirva de pivô para fortalecer os direitos humanos e relançar a democracia no Hemisfério.

 

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada pela Conferência Interamericana sobre Direitos Humanos, reunida em San José da Costa Rica em 1969, contempla o dever dos Estados Partes de adotar, de acordo com as suas normas constitucionais, as medidas legislativas necessárias para tornar efetivos tais direitos.

 

A anterior Constituição venezuelana de 1961 consagrava as garantias fundamentais da pessoa, mas essas eram apresentadas como uma enumeração programática e não se determinava de maneira precisa e taxativa a responsabilidade daqueles que, no exercício de funções públicas, as violentavam, desrespeitavam ou descumpriam. A responsabilidade do Estado não era contemplada nesse texto.

 

Pelo contrário, a Constituição da República Bolivariana da Venezuela, aprovada pelo povo mediante referendo constituinte em 15 de dezembro de 1999 e proclamada pela Assembléia Nacional Constituinte em 20 do mesmo mês e ano, estabelece em seu artigo 2 a preeminência dos direitos humanos. Sobre essa preeminência constrói todo o regime de normas constitucionais. A seguir, o artigo 3, que diz textualmente:

 

O Estado tem como fins essenciais a defesa e o desenvolvimento da pessoa e o respeito à sua dignidade, o exercício democrático da vontade popular, a construção de uma sociedade justa e amante da paz, a promoção da prosperidade e bem-estar do povo e a garantia do cumprimento dos princípios, direitos e deveres reconhecidos e consagrados nesta Constituição. A educação e o trabalho são os processos fundamentais para alcançar os referidos fins.

O artigo 6 do texto constitucional declara que o governo será sempre democrático, participativo, eletivo, descentralizado, alternativo, responsável, pluralista e de mandatos revogáveis, inclusive o do próprio Presidente da República.

 

A Constituição vigente na Venezuela consagra as máximas garantias à pessoa sem discriminação alguma. Estabelece de maneira precisa que toda pessoa tem direito, nos termos estabelecidos pelos Tratados, Pactos e Convenções sobre direitos humanos ratificados pela República, a interpor petições ou denúncias perante os órgãos internacionais criados para tais fins com o objeto de solicitar o amparo a seus direitos humanos. Atribui caráter constitucional a esses instrumentos jurídicos, os quais prevalecem no direito interno na medida em que contenham normas sobre seu usufruto e exercício pleno mais favoráveis do que as estabelecidas na Constituição e nas leis da República. Também são de obrigatória aplicação imediata pelos tribunais e demais órgãos do poder público.

 

O texto constitucional estabelece a responsabilidade do Estado por violações dos direitos humanos, a obrigação de punir os delitos contra esses direitos cometidos por funcionários públicos, sem que sirvam de excusa ordens superiores. Também consagra a imprescritibilidade dos delitos contra esses direitos. Estabelece o princípio da plenitude hermética dos direitos humanos e suas garantias. A enunciação desses direitos constantes na Constituição e nos Acordos Internacionais não será entendida como a negação de outros que, sendo inerentes à pessoa, não figurem expressamente nos mesmos.

 

A Venezuela assume a democracia como seu sistema político, e os direitos humanos constituem de uma maneira ampla, clara e decisiva a essência de seu sistema democrático.

 

A proposta de um parágrafo preambular e de artigos mais desenvolvidos na Carta Democrática sobre os Direitos Humanos formulada pela Venezuela se fundamenta no fato de que a promoção e defesa desses direitos constituem objetivos políticos supremos aos quais deve ser dada a mais alta prioridade.

 

Nesse sentido, propõe-se que seja acrescentado à Carta Democrática, no Preâmbulo, um parágrafo com a seguinte redação:

 

Reafirmando que a promoção e proteção dos direitos humanos é condição fundamental para a existência de uma sociedade democrática.

E no capítulo "Democracia e Direitos Humanos" se propõe:

 

 

Artigo 7 (nova redação)

 

A democracia como sistema político representativo e participativo é condição insubstituível para o gozo pleno e efetivo, por parte das pessoas e das sociedades, dos direitos humanos, a justiça social e das liberdades fundamentais para o desenvolvimento da personalidade e o progresso dos povos.

 

Artigo 8 (acréscimos)

 

O exercício da democracia deve assegurar plenamente a todas as pessoas o gozo e exercício de suas liberdades fundamentais e os direitos humanos tais como os consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no Protocolo de San Salvador sobre direitos econômicos, sociais e culturais e nos demais instrumentos interamericanos em matéria de direitos humanos.

 

Artigo 9 (nova redação)

 

Todo homem ou mulher tem direito de dirigir petições e queixas e interpor denúncias perante o sistema interamericano de promoção e proteção dos direitos humanos, conforme os procedimentos estabelecidos, com o objetivo de obter para os seus direitos fundamentais universalmente aceitos e qualificados como direitos humanos.

 

 

III. DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO

 

Duas importantes instituições realizaram estudos, em maio de 2000, sobre a democracia e a política na América Latina.

 

O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres destaca em seu relatório: "Com notáveis exceções, a democracia na maior parte dos países da América Latina não correspondeu. Pelo contrário, tem sido vista associada com a corrupção, a delinqüência e a violência".

 

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por sua vez, em seu Relatório sobre o Progresso Econômico e Social, analisa a apatia dos cidadãos no que concerne à política. Certos especialistas, como O’Donnel, declaram que a América Latina se encaminha para uma espécie de democracia delegativa, na qual os cidadãos elegem os dirigentes mas renunciam a controlá-los politicamente. Eles não se sentem devidamente representados – de verdade – por seus líderes.

 

O mesmo relatório indica que, na América Latina, existe um apoio geral ao conceito de democracia mas que um respaldo significativamente menor é dado à democracia na forma como ela é praticada na realidade.

 

Um dos problemas mais importantes destacados pelo relatório do BID é o reduzido nível de presença política dos cidadãos em muitos países do Hemisfério. Por isso considera imperativo que as reformas na região concentrem sua atenção na participação política.

 

A democracia enfrenta sérias ameaças que, como afirma a Declaração de Québec, aprovada pelos Chefes de Estado do Hemisfério, assumem variadas formas.

 

Para ser verdadeira, a democracia tem que se basear na representação, na participação e na atuação proeminente de todos os setores e não apenas de reduzidas elites que concentram – não raro de forma tão rudimentar como perversa – o poder político e econômico.

 

A Carta Magna da Venezuela consolida e fortalece a vigência dos partidos, porém atribui também muita importância aos mecanismos de participação dos cidadãos, cuja fonte de legitimidade é a soberania popular. São consolidadas as estruturas de intermediação porém sem confiscar a titularidade da soberania.

 

A democracia participativa – como explicou o Governo da Venezuela – não é um conceito oposto ao de democracia representativa nem é uma alternativa à mesma. É importante ter esse fato em mente à luz do confronto durante a Guerra Fria – já superada – entre os conceitos de democracia representativa e democracia popular. Pelo contrário, a democracia participativa pressupõe a democracia representativa e com ela co-existe , pois a democracia representativa não é outra coisa senão o exercício do poder pelo povo através de representantes livremente eleitos. A democrática escolha desses representantes é uma forma essencial de participação.

 

Os processos de participação também fortalecem a proteção dos direitos humanos, tendo em vista constituírem eles a melhor garantia de que os interesses e aspirações genuínos do povo possam ser expressos plenamente.

 

A participação reforça, portanto, a luta pelos direitos humanos e sua vigência, dando à democracia seu verdadeiro sentido.

 

Não basta que a democracia seja representativa, que nela se consagre a livre escolha de seus representantes por parte do eleitorado. A democracia tem necessariamente que ser participativa, no sentido de que os cidadãos devem, na prática, ter ingerência nas decisões através de organizações civis vinculadas com o Município, até votar em referendos e outras formas de consulta determinadas pelas constituições dos Estados. Também devem desfrutar de benefícios sociais como serviços públicos, oportunidades de trabalho, regime de seguridade social, acesso aos bens básicos e a todos os níveis de educação e capacitação mediante a participação distributiva.

 

O caráter participativo oferece conteúdos de igualdade e justiça social à democracia. Assim se justifica – de verdade, verdade - que seja o sistema escolhido pela OEA, pois é compatível com a dignidade e o respeito à pessoa e pela pessoa tanto em sua individualidade como em seu ser coletivo.

 

Representatividade e participatividade são inerentes à democracia, e os direitos humanos constituem sua própria essência.

 

Para que exista democracia não basta que aqueles que exercem o poder sejam eleitos livremente. Um sistema de governo no qual os governantes não sejam responsáveis perante seus eleitores não pode denominar-se democrático.

 

A necessidade de incluir o conceito de democracia participativa na Carta Democrática que atualmente está sendo considerada no âmbito da OEA deveria estar fora de discussão. Está implícita num mandato ineludível da Assembléia Geral dessa Organização, mediante a Resolução AG/RES. 1684 (1999), adotada no Vigésimo Nono Período Ordinário de Sessões, realizado na Guatemala.

 

O conceito de democracia participativa já está consagrado em resoluções e acordos fundamentais adotados por muitos países do Hemisfério. Na Décima Reunião Ministerial do Grupo do Rio-União Européia, realizada em Santiago do Chile em março de 2001, os 17 países que constituem esse foro reafirmaram o compromisso de seus governos com a democracia representativa e participativa, o pluralismo político e a plena participação da sociedade civil.

 

No mesmo sentido se havia pronunciado a Sexta Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, realizada em 10 e 11 de novembro de 1996, nas cidades de Santiago e Viña del Mar, Chile, quando aludiu à "Governabilidade para uma Democracia Eficiente e Participativa".

 

Nas Jornadas de Análise e Reflexão sobre a democracia participativa organizadas pela OEA, por proposta da Venezuela, o atual Secretário-Geral da Organização, Doutor César Gaviria, pronunciou, em 10 de abril de 2000, um extraordinário discurso na sessão de abertura, no qual afirmou:

 

A chave da legitimidade é a participação. Por isso é necessário velar no sentido de que sejam sempre abertos novos espaços para a participação cidadã a fim de que as decisões sejam percebidas como fontes de um compromisso justo no qual todos tenham igual oportunidade de intervir e de ser considerados. Já não se fala simplesmente de democracia e sim da democracia participativa ou de uma democracia de participação popular. Não se trata de um problema semântico nem de uma redundância, tampouco de umas palavras na moda. Estamos em face de uma nova concepção da democracia. Assim como Montesquieu foi revolucionário para sua época, os inspiradores da democracia participativa desafiaram as instituições tradicionais, não para destruí-las mas para tomá-las como pilares de uma nova ordem política mais legítima, mais respeitosa da autonomia, dos direitos e da liberdade de cada pessoa, menos desigual e mais justa, aberta à convivência pacífica de todos os grupos que conformam uma comunidade.

 

Em vista do exposto, deduz-se facilmente que a democracia participativa não é um conceito defendido e promovido exclusivamente pela Venezuela. Nem pela Colômbia. Tampouco pela Guiana, cujo Representante Permanente, Embaixador Odeem Ishmael, pronunciou na OEA, em 19 de junho de 2001, um discurso doutrinário no qual declarou: Embora a democracia representativa por meio de eleições livres e imparciais é louvável, essa democracia não deve permanecer estática. Lembrem-se, esse é um conceito que já existia quando a Carta da OEA foi adotada. É fundamental que avance para que seja mais completa, não apenas representativa mas também consultiva e participativa. Com a democracia participativa, desenvolvemos o potencial do povo no nível das bases. Isso é uma democracia que assegura, além de direitos civis e políticos, direitos sociais e culturais.

 

Abraham Lincoln, esse grande Presidente dos Estados Unidos, com profundo sentido filosófico sentenciava que a democracia "é o governo do povo, pelo povo e para o povo".

 

A bem da verdade, pode afirmar-se que a democracia participativa constitui um patrimônio comum, uma nova e renovadora visão da democracia que possui carta de cidadania na comunidade hemisférica.

 

À luz do análise precedente, a Venezuela propõe um novo artigo sobre democracia representativa e participativa, que rezaria:

 

A democracia representativa se reforça e aprofunda quando a participação dos cidadãos é expressa de maneira permanente e cotidiana. A democracia participativa, portanto, constitui um componente indissolúvel da vida democrática e contribui para o enriquecimento da democracia representativa.

 

 

IV. DEMOCRACIA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

 

Os Estados do Hemisfério têm a responsabilidade de proteger e conservar os espaços ecológicos nos quais co-habitam seus cidadãos. A plena conscientização da relação harmônica que deve existir entre seres humanos e natureza gera uma concepção democrática baseada em princípios éticos transcendentais. A democracia se fortalece como sistema quando promove estruturas institucionais que asseguram a defesa dos direitos ambientais dos povos. Velar pela proteção do meio ambiente e dos recursos básicos – ar, água e terra – é obrigação ineludível do Estado Democrático, através do qual são mais factíveis a solidariedade e a cooperação para enfrentar os desafios adversos da natureza.

 

As mudanças climáticas causadas pela intervenção irracional do homem na natureza têm produzido irreparáveis tragédias humanas, terríveis desastres naturais, assim como devastadores efeitos sobre o ecossistema. Os governos democráticos estão na obrigação de atender de forma solidária aos problemas causados pelas contingências naturais.

 

Com base nessas idéias, é sugerida a inserção do seguinte na Carta Democrática Interamericana:

 

 

PREÂMBULO (novo)

 

Reconhecendo que não bastam os esforços para promover a democracia e a estabilidade política do Hemisfério se não se contar com um entorno ecológico sadio que permita o desenvolvimento integral do ser humano.

 

NOVO ARTIGO (Sugere-se colocá-lo antes do artigo 7, Capítulo II)

 

O exercício da democracia é alcançado na medida em que exista uma coerente articulação entre direitos ambientais, paz e desenvolvimento. Os países do Hemisfério, portanto, estão obrigados a adotar e incentivar políticas e estratégias que promovam o desenvolvimento sustentável que proteja o meio ambiente.

 

 

V. DEMOCRACIA E OS DIREITOS DA MULHER

 

A democracia impõe o reconhecimento da unidade na diversidade, da diversidade de sujeitos sociais que constituem o povo: homens e mulheres, crianças e adolescentes, adultos e adultas idosos, homens e mulheres portadores de deficiência, afrodescendentes, etnias indígenas. A Constituição venezuelana reconhece essa diversidade cultural, étnica, religiosa e lingüística desde seu Preâmbulo e desenvolve todo um articulado a esse respeito.

 

Na Venezuela se começou por democratizar a linguagem no que se refere à visão de gênero. A Constituição Bolivariana foi elaborada utilizando-se uma linguagem igualitária na qual é equiparado o valor da mulher ao do homem. São concedidos ao gênero feminino atributos iguais aos que vinham sendo dados ao masculino. A Constituição assegura a igualdade de direitos e deveres no seio da família, valorizando a maternidade e a paternidade responsáveis.

 

Um dos elementos que fazem da democracia um sistema político, econômico e social viável é a criação de mecanismos conducentes à igualdade de oportunidades, o que passa pelo desenvolvimento de políticas para a democratização do capital e, por conseguinte, para uma distribuição de renda cada vez mais eqüitativa.

 

Em virtude do exposto, a Venezuela propõe a inclusão do seguinte artigo:

 

 

NOVO ARTIGO

 

A democracia interamericana estará sustentada no direito humano à igualdade e, por tanto, deverá garantir o acesso a condições de eqüidade entre homens e mulheres, proporcionando em cada país condições materiais e simbólicas para uma autêntica cidadania de todas e todos.

Será garantido um exercício eqüitativo do poder que promova a criação de uma nova ordem na qual mulheres e homens desfrutem de iguais direitos e oportunidades.

 

 

VI. DEMOCRACIA E LUTA CONTRA A POBREZA

 

A democracia tem necessariamente que cumprir uma função social baseada na justiça distributiva.

 

Se os direitos humanos são a própria essência da democracia, flagelos como a fome, a indigência, a marginalidade, o desemprego, entre outros, são a negação do sistema democrático. A soma dessas calamidades sociais resultam na pobreza que, no mundo atual, chega a níveis extremos, a ponto de que hoje se distingue a simples pobreza da pobreza extrema. É alarmante a estatística de seres humanos que morrem de fome, sem contar os que padecem de desnutrição.

 

O direito elementar da Mulher e do Homem é o direito de comer e, mais do que comer, de alimentar-se. Nisso consiste a base do direito à vida. A democracia tem a obrigação moral e inadiável de conseguir que nenhuma pessoa morra de fome. Deve tornar possível que todo indivíduo tenha uma ocupação remunerada que lhe permita cobrir suas necessidades básicas de alimentação e moradia para si e sua família.

 

A Pobreza Não é Casual. Assim se denominou uma Encíclica Papal de alguns anos atrás. E não é casual por ser produto das desigualdades e injustiças sociais, não somente em níveis nacionais mas também internacionais. A verdade é que se acentuou a brecha da diferença entre países pobres e ricos com o pesado fardo da dívida externa: novo nome da injustiça. Uma das formas mais perversas de negação dos direitos humanos. Uma maneira de exercer domínio sobre as nações que, ao cumprirem o pagamento dessa dívida – sem dúvida, um castigo –, não podem aplicar soluções contra a pobreza. A isso se chama eufemisticamente o custo social da dívida externa.

 

Não existe uma situação que conspire mais contra a democracia do que as grandes diferenças sociais. A pobreza, a exclusão, o racismo, as injustiças sociais e econômicas são verdadeiros inimigos da democracia. Para contar com uma democracia estável é necessário alcançar um desenvolvimento econômico e social eqüitativo, elevar, até como desafio ético, o nível de vida das grandes maiorias e reduzir as injustiças. A fome, a impossibilidade de acesso à educação, à saúde, a um teto próprio, bem como o desemprego, a marginalização das maiorias em relação ao processo decisório são, entre outros, dilacerantes situações que negam, na realidade, a democracia.

 

Pode-se afirmar categoricamente que democracia sem justiça social não é democracia.

 

A pobreza constitui uma ameaça real que põe em perigo o sistema democrático interamericano. As marcantes desigualdades sociais ferem os direitos fundamentais de amplos grupos humanos que delas padecem, estimulam a violência e desestabilizam a ordem pública. A pobreza impede que muitas crianças vão à escola, é responsável pela evasão de muitos jovens das instituições de ensino médio e pela circunstância de que muitos grupos humanos se vejam impelidos para o mundo tenebroso da delinqüência. O desemprego e a fome são fonte de vícios, de dramáticos desajustes sociais. Nesse contexto, a pessoa se avilta, perde a auto-estima, despreza os valores éticos por considerá-los inúteis para solucionar suas necessidades, cultiva, numa palavra, um ressentimento social que solapa as bases do sistema democrático, já que este não lhe traz soluções para suas necessidades.

 

A corporação privada Latinobarómetro que, desde 1995, efetua sondagens de opinião em 17 países da região realizou recentemente uma pesquisa cujos resultados são preocupantes:*

 

 

O apoio à democracia na América Latina registra uma queda sem precedentes, associada em grande parte ao impacto da crise econômica internacional.

 

A sondagem revela que o apoio dos latino-americanos à democracia caiu 12 pontos, de 60% em 2000 para 48% em 2001, enquanto sua satisfação baixou de 37% para 25%.

 

Marta Lagos, diretora de Latinobarómetro, explica que a democracia é julgada de acordo com o desempenho econômico dos países e que, enquanto a crise internacional desestabilizar as economias locais, o sistema democrático continuará a "ser instável".

 

Diante da pobreza, onde ficam os direitos humanos? Como fica o sistema democrático?

 

Quando observamos os elevados níveis de pobreza apresentados por muitos países não se pode deixar de reconhecer de forma sincera que a democracia tem – em muitos casos – muito pouco conteúdo de justiça, o que a relativiza e em muitos sentidos a anula.

 

Democracia e justiça social devem andar paralelas.

 

Se os belos princípios que sustentam a democracia tornam-se inaplicáveis, a democracia – sem dúvida alguma – pode sucumbir. Disso decorre, para os governos e os organismos internacionais do Hemisfério, o dever incontornável e a necessidade urgente de combater com eficácia a pobreza.

 

Os países desenvolvidos estão eticamente mais obrigados a cultivar a solidariedade universal perdoando ao menos boa parte da dívida externa e contribuindo para a reconstrução da economia mundial sobre bases de justiça social internacional.

 

Pobreza e democracia são antípodas.

 

Com relação ao tema da pobreza, a Venezuela propõe:

 

 

NOVO ARTIGO

 

A pobreza continua a ser o maior desafio que enfrentam as nações das Américas, já que afeta a estabilidade democrática, atrasa o progresso social e econômico e destrói a esperança no futuro, especialmente entre os jovens.

Os governos democráticos e os organismos do Sistema Interamericano estão política e eticamente comprometidos a dar contribuições decisivas para combatê-la. Nesse sentido, devem fomentar políticas sociais urgentes, audaciosas e prioritárias sob o risco de que o próprio sistema democrático em alguns países entre em colapso.

 

 

VII. CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

 

A Carta Democrática Interamericana será o documento mais importante aprovado pelos países do Hemisfério desde quando entrou em vigência a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que data de 1948. Será um documento-doutrina sobre a democracia que contribuirá para a sua defesa e fortalecimento. O início de sua vigência será um marco fundamental no longo e contraditório processo que tornou possível que a democracia seja na atualidade o sistema de governo dos 34 países membros da OEA.

 

A Venezuela considera que a Carta Democrática Interamericana é uma peremptória necessidade nas atuais circunstâncias históricas. Com veracidade se demonstra dia após dia que a democracia é a forma de governo mais ajustada às tradições libertárias e justiceiras. Contudo, não deveria ser, de modo algum, subestimada a possibilidade de que surjam novas ditaduras ou regimes autoritários – hoje em retirada.

 

A experiência histórica do Hemisfério mostra que, não obstante o fato de alguns países terem democracias de longa data e serem considerados paradigmas de governos democráticos, em seu solo se alojaram criminosas ditaduras e autoritarismos que fustigaram a paisagem democrática, instaurando formas de governo incompatíveis com a liberdade e a dignidade humana.

 

Embora exista amplo consenso hemisférico com respeito às virtudes da democracia, não se descarta a hipótese de que na região surjam novamente regimes que anulem, na prática, os nobres princípios nos quais se assenta e que, até mesmo – como já aconteceu – governos de origem democrática, oriundos do voto, se desviem da senda democrática e se coloquem à sua margem.

 

Por esse motivo, os Representantes Permanentes junto à OEA discutem nestes dias uma cláusula democrática, apoiada pelo Governo da Venezuela, destinada a reforçar e fortalecer as instituições democráticas, a cultura democrática e, sobretudo, a fazer com que a democracia seja uma realidade e não um mero enunciado de princípios, muito louváveis, certamente, mas abstratos para a maioria dos cidadãos.

 

As experiências autoritárias e ditatoriais foram objeto de amplo questionamento continental, e a simples possibilidade de que elas se instaurem novamente em espaços políticos do Hemisfério suscita justificadas apreensões. A cultura democrática – é duro reconhecê-lo – não está enraizada de modo pleno e definitivo em nossas sociedades, razão pela qual se torna necessário ativar todos os mecanismos que forem necessários para defendê-la e promovê-la. Reminiscências do autoritarismo – de raiz colonial – ainda estão presentes na sociologia de alguns povos. Eis por que o mandato de Quebec, aprovado pelos Chefes de Estado das Américas no sentido de ser elaborada uma Carta Democrática, deve ser aplaudido.

 

O Governo da Venezuela fomenta a cultura democrática de maneira ampla e diversificada. Na Venezuela se vive hoje um verdadeiro processo democrático, processo esse que é, em essência, antiautoritário. Ele outorga ao povo, em todos os seus componentes, a primazia que esteve reservada para os reduzidos grupos políticos e econômicos que dilapidaram, com voracidade, o patrimônio de todos os venezuelanos. O governo atribui ênfase especial às políticas sociais destinadas a superar a pobreza que afeta a maioria da população.

 

A Venezuela considera que a Carta Democrática Interamericana deve entrar em vigência o mais breve possível. Da mesma forma, considera que o instrumento em pauta deve ser compatível com a Carta da OEA, desenvolvendo e aperfeiçoando, à luz das novas realidades do Hemisfério, a Resolução 1080 e o Protocolo de Washington. Trata-se, certamente, de considerar situações nas quais podem produzir-se alterações e rupturas substantivas do sistema democrático que não sejam, necessariamente, os clássicos golpes de Estado.

 

A experiência recente mostra que, se a comunidade hemisférica atua com determinação, a democracia pode ser protegida quando está em perigo ou restaurada quando se houver produzido sua ruptura.

 

A Venezuela firmou e respalda as cláusulas democráticas que já existem na comunidade das Américas: na Comunidade Andina de Nações, no Grupo do Rio, no Mercosul, ao qual procura associar-se. A Venezuela quer contribuir, portanto, para que a Cláusula Democrática a ser incluída na Carta Democrática seja suficientemente clara e categórica a fim de servir de mecanismo dissuasivo para os que abrigam tentações autoritárias, bem como ativar mecanismos de exclusão contra os que desconheçam, perturbem ou profanem a democracia em algum dos países que integram o Hemisfério.

 

Se a Cláusula Democrática for clara e transparente contará com o apoio unânime de todos os países. A Venezuela se irmana ao consenso. O que deve ser evitado, sim, é que ambigüidades terminológicas sirvam de caldo de cultura para a germinação, no futuro, de interpretações caprichosas dos artigos que venham a ser aprovados.

 

Com o objetivo de contribuir para que a Cláusula Democrática contemple as novas situações antidemocráticas ocorridas e outras que possam apresentar-se no futuro, a Venezuela apresenta a seguinte proposta:

 

 

Artigo 12 (novo)

 

Um membro da Organização, cujo governo democraticamente constituído seja destituído pela força, poderá ser suspenso do exercício do direito de participação na Assembléia Geral, na Reunião de Consulta, nos Conselhos e na Organização e nas conferências especializadas, bem como nas comissões, grupos de trabalho e demais órgãos criados.

Entender-se-á o equivalente a uma situação de destituição pela força de um governo democraticamente constituído, quando ocorrer uma alteração ou interrupção constitucional que elimine, dissolva, modifique ou substitua quaisquer poderes devidamente constituídos do Estado, por meio de procedimentos contrários à Constituição Nacional do Estado membro.

 

 

VIII. CARTA DEMOCRÁTICA: RESOLUÇÃO OU PROTOCOLO MODIFICADOR?

 

O Governo da Venezuela quer deixar firmada sua posição com respeito à natureza jurídica da Carta Democrática Interamericana. Será uma Resolução ou um Protocolo Modificador da Carta da OEA? O novo artigo 12, proposto pela Venezuela, por sua precisão e rigor, poderia contribuir para o consenso.

 

Esse artigo poderia constituir uma interpretação consensual do artigo 9 da Carta da OEA. Nesse sentido, não seria necessário recorrer a um Protocolo Modificador desse instrumento, poupando os longos períodos necessários para modificar um Tratado, como é o caso da Carta da OEA.

 

Se o que se pretende é um instrumento com efeito vinculatório e imediato – como aspiram todos os governos das Américas –, a via expedita para tanto é a interpretação extensiva do artigo 9 e de outros relacionados com a Carta da OEA, concretizada numa Resolução da Assembléia Geral aprovada por consenso.

 

Uma resolução da Assembléia Geral não pode modificar a Carta da OEA e, em caso de contradição entre ambos os instrumentos, seria aplicada a Carta da OEA.

 

A interpretação da Carta da OEA compete aos Estados membros. Uma interpretação por consenso tem caráter vinculatório.

 

 

 

IX. OUTRAS ALTERAÇÕES OU ACRÉSCIMOS

 

Preâmbulo

 

TENDO EM CONTA que as cláusulas democráticas existentes nos mecanismos regionais e sub-regionais expressam os mesmos objetivos de defesa e fortalecimento da democracia que a cláusula democrática adotada pelos Chefes de Estado e de Governo em Quebec;

 

 

 

Parágrafos resolutivos

 

Artigo 1

 

Os povos da América têm direito à democracia e ao seu progressivo aperfeiçoamento.

 

Artigo 2

 

A democracia representativa e participativa é o sistema político dos Estados da Organização dos Estados Americanos, no qual se sustentam seus regimes constitucionais e o Estado de Direito.

 

Artigo 3

 

São elementos essenciais da democracia representativa a celebração de eleições livres e justas como expressão da soberania popular, o acesso ao poder por meios constitucionais, o regime pluralista de partidos e organizações políticas e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, inclusive a liberdade de imprensa e outros meios de comunicação social.

 

Artigo 5

 

A solidariedade e o fortalecimento da cooperação interamericana para o desenvolvimento integral e, em especial, a luta contra a pobreza, especialmente a pobreza crítica são partes fundamentais da promoção e consolidação da democracia representativa e constituem uma responsabilidade comum e compartilhada dos Estados Americanos.

 

Artigo 11

 

Quando, em um Estado membro, ocorrerem situações que possam afetar o desenvolvimento do processo político institucional democrático ou o legítimo exercício do poder, o Secretário-Geral poderá, com o consentimento prévio do governo afetado, determinar visitas e outras gestões com a finalidade de fazer uma análise da situação. O Secretário-Geral encaminhará um relatório ao Conselho Permanente, o qual realizará uma avaliação coletiva da situação e, caso seja necessário, adotará decisões preventivas destinadas à preservação da institucionalidade democrática e seu fortalecimento.

 

Artigo 13

 

Caso ocorram fatos que causem interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo exercício do poder por um governo democrático democraticamente eleito em qualquer dos Estados membros da Organização, o Estado afetado, um Estado membro ou o Secretário-Geral solicitarão a convocação imediata do Conselho Permanente para realizar uma avaliação coletiva da situação. O Conselho Permanente convocará, segundo a situação, uma Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral, no prazo de dez dias, para adotar as decisões que estime apropriadas, em conformidade com a Carta da Organização, o Direito Internacional e as disposições da presente Carta Democrática.

 

Artigo 14

 

Quando a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores ou um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral determine que ocorreu uma ruptura inconstitucional da ordem democrática em um Estado membro, em conformidade com a Carta da OEA, o fará mediante o voto afirmativo de dois terços dos Estados membros. Esta determinação acarreta a suspensão do referido Estado do exercício de seu direito de participação na OEA. [Esta situação acarreta a suspensão da participação no processo de Cúpulas das Américas.] A suspensão entrará em vigor imediatamente. O Estado membro que tiver sido objeto de suspensão deverá continuar observando o cumprimento de suas obrigações com a Organização, em particular suas obrigações em matéria de direitos humanos.

 

Artigo 16

 

Qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá propor à Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores ou à Assembléia Geral o levantamento da suspensão. Esta decisão será adotada pelo voto de dois terços dos Estados membros, de acordo com a Carta da OEA.

 

A Venezuela fará, no decurso do debate que se aproxima, novas contribuições à medida que a Carta Democrática Interamericana seja considerada artigo por artigo.

 

 

DECLARAÇÃO DO SENHOR MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

DA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA VENEZUELA,

LUIS ALFONSO DAVILA, PERANTE O TRIGÉSIMO PRIMEIRO PERÍODO ORDINÁRIO

DE SESSÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO

DOS ESTADOS AMERICANOS

San José, Costa Rica, 3 a 5 de junho de 2001

 

 

Senhor Presidente, Senhor Secretário-Geral, Prezados Chanceleres, posto que nosso tema guarda expressa relação com a matéria em consideração, seja-me permitido tomar alguns minutos de sua amável atenção.

 

O Representante Permanente da Venezuela junto à OEA, Embaixador Jorge Valero, que além de diplomata é historiador, realizou uma interessante pesquisa nas Atas nas quais são registrados os momentos decisivos de nossa Organização hemisférica. Nelas encontrou importantíssimos dados sobre a origem da expressão democracia representativa, consignada na Carta da OEA.

 

Eram os tempos da Nona Conferência Interamericana, realizada em Bogotá entre 30 de março e 2 de maio de 1948.

 

A Guerra Fria suscitava, então, a confrontação política. Combater o comunismo era a preocupação principal que confundia os governantes do Hemisfério nos anos subseqüentes à Segunda Guerra Mundial. Contra o comunismo se opunham ideologias nutridas de liberalismo político. E contra as democracias populares, que eram o modelo autoritário soviético, se antepunha o conceito de democracias representativas.

 

Nos importantes debates que se realizaram, foram passados em revista os princípios que a Carta da OEA devia conter. Naquela oportunidade, os diplomatas trataram de definir os atributos e características que fixariam o perfil da democracia continental. Foi quando o representante de Cuba, Ernesto Dihigo, propôs que, à palavra democracia, fosse acrescentado o qualificativo representativa, proposta que foi acolhida pelos membros da Subcomissão que estudava a matéria.

 

Mas houve uma questão da maior importância que ficou registrada na Ata da reunião:

 

A Subcomissão acordou que essa última palavra seria suprimida se posteriormente as delegações se pusessem de acordo a respeito de uma definição adequada de democracia.

Senhor Presidente, em nome da democracia representativa foram cometidos não poucos crimes no passado. Tempos infaustos, quando na OEA se abrigavam sanguinárias ditaduras militares. As circunstâncias – graças a Deus – mudaram. Os governos democráticos reinam no Hemisfério. A Guerra Fria desapareceu. Por isso, a OEA vive hoje um novo tempo histórico. A democracia representativa – como resumimos – ficou consagrada na Carta original da OEA. Em que pese às reformas que esse instrumento tem sofrido ao longo dos anos, esta definição se mantém inalterável.

 

 

Senhor Presidente, desde 1948, tivemos no Hemisfério contrastantes formas de governo: democracias promissoras e autoritarismos opressores, governantes sábios e tolerantes e ditadores corruptos e criminosos.

 

A democracia representativa conota hoje, nas definições dela feitas em nossa doutrina hemisférica, irrenunciáveis princípios e valores sem cuja observância a democracia seria uma ficção: voto popular, alternância, autonomia dos poderes públicos, pluralismo político e cultural, respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

 

Aos venezuelanos nos custou muito sofrimento e sacrifício alcançar a democracia. Por essa razão, a democracia é a utopia possível que ilumina nossas esperanças de redenção social. A luta por defendê-la e aperfeiçoá-la, por torná-la realidade é um propósito irrenunciável do governo presidido por Hugo Chávez Frias. Daí nossa insistência em que a democracia tenha um caráter participativo. Democracia sem participações é uma quimera.

 

A democracia ideal é, segundo o acadêmico Ronald Pennok, da Universidade de Princeton:

 

Governo pelo povo, no qual a liberdade, igualdade e fraternidade estejam asseguradas no seu mais alto grau.

A busca desses objetivos inspira nossas lutas, alimenta nossos sonhos. Nossa Constituição reza em seu artigo 6:

 

O Governo da República Bolivariana da Venezuela e das entidades políticas que a compõem é e será sempre democrático, participativo, eletivo, descentralizado, alternativo, responsável, pluralista e de mandatos revogáveis.

Consideramos a democracia participativa um dos componentes essenciais da doutrina democrática hemisférica.

 

Democracia sem participação do povo em todas suas expressões não é democracia. A democracia, para que seja verdadeira, deve ter também um profundo conteúdo social. Democracia sem justiça é uma zombaria. Fascinante, o desafio de impregnar com participação a democracia.

 

Senhor Presidente, queremos ser claros e categóricos para evitar confusões: não contrapomos a democracia participativa à democracia representativa. A primeira não é uma alternativa à segunda. Esse é um falso dilema, pois ambas se complementam. Representação e participação são componentes indissolúveis da democracia. A democracia representativa é o exercício do poder por parte do povo, através de representantes livremente eleitos. A livre escolha desses representantes é uma forma essencial de participação. Mas não basta.

 

A Venezuela se propõe hoje a ampliar as liberdades democráticas, alargar as fronteiras da liberdade. As transformações democráticas e pacificas que tiveram lugar nos últimos anos em meu país são um exemplo real do exercício democrático. De participação popular. O Processo Constituinte que tivemos em meu país foi uma expressão suprema da democracia participativa.

 

Além disso, em 21 Constituições do Hemisfério é consagrado o princípio de participação dos cidadãos de forma expressa. A entrada estelar da democracia participativa no constitucionalismo hemisférico se deve à nova Constituição da Colômbia, precursora, nesta matéria, da Constituição Bolivariana da Venezuela.

 

Senhor Presidente, a democracia é perfectível. Lutemos por sua renovação. Com o fim da Guerra Fria, oxigenou-se o ambiente democrático. A democracia pode ampliar suas possibilidades de forma inédita.

 

Por isso postulamos – com especial determinação – a necessidade da inclusão da democracia participativa na Carta Democrática Interamericana.

 

Para que exista democracia não basta que os governos tenham sido eleitos mediante eleições livres, pois um governo cujos governantes não são responsáveis perante seus eleitores não pode denominar-se democrático. Não têm sido poucos os exemplos de regimes, embora nascidos de eleições, cujos governantes marginalizam e oprimem sua população e nos quais os recursos do poder são monopolizados por uns poucos. Tampouco pode haver democracia sem respeito absoluto pelos direitos humanos.

 

Não se pode considerar democracia representativa verdadeira um regime que se limite tão-somente a seguir o procedimento da votação mas que, no ínterim de todo o período constitucional, escamoteie a participação das comunidades na gestão pública e desconheça os direitos sociais e os dos setores mais necessitados.

 

A democracia que não obedece o princípio da participação e não satisfaz as demandas sociais da população está condenada, tarde ou cedo, a entrar numa crise de legitimidade insolúvel, que poderia atrasar o relógio da história para regimes de fato ou, o que é igualmente lamentável, estaria condenada a desacreditar o próprio conceito de democracia representativa.

 

Embora nos últimos anos tenham sido alcançados nas Américas indubitáveis avanços na ordem do político e social, o exame global que pode ser feito do curso da história recente nos mostra que as democracias representativas deixaram na América Latina e no Caribe um saldo social muito calamitoso. Por esse motivo, uma imensa maioria da população se interroga, por sobejas razões, a respeito do verdadeiro sentido da democracia.

 

Não apenas é necessário promover o crescimento econômico, mas também criar as condições para que os seus frutos possam distribuir-se por toda a população, em obediência aos princípios da eqüidade e justiça social.

 

Senhor Presidente, promover a democracia participativa é um imperativo do nosso tempo. A democracia participativa complementa, reforça e amplia a democracia representativa, com base no pluralismo político, no exercício da soberania exercida pelo povo, no caráter alternativo, no regime pluralista de partidos e organizações políticas, no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais.

 

Senhor Presidente, seja-me permitido reiterar que na Décima Reunião Ministerial do Grupo do Rio-União Européia, realizada em Santiago de Chile por proposta da Venezuela, os 19 países que integram o referido grupo acordaram, através dos seus Ministros das Relações Exteriores, promover a democracia representativa e participativa, o pluralismo político e a plena participação da sociedade civil.

 

No Vigésimo Nono Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da OEA, realizado na Guatemala, em 8 de junho de 1999 os Chanceleres resolveram, também por proposta da Venezuela, fortalecer os mecanismos democráticos da região, realizar análises e reflexões em profundidade sobre a democracia participativa. Para tanto, levaram em consideração o Compromisso de Santiago e a Declaração de Nassau, nos quais ficou estabelecido que a pobreza extrema e as desigualdades econômicas e sociais são inimigas da consolidação da democracia.

 

Esperamos que essa decisão da OEA seja plenamente cumprida, o que será reivindicado por nosso Representante Permanente em Washington.

 

Senhor Presidente, chegamos a um amplo consenso sobre a elaboração da Carta Democrática Interamericana. Um debate construtivo sobre o aperfeiçoamento e proteção da democracia no Hemisfério está equacionado. Nossas observações críticas sempre foram guiadas por um espírito construtivo, salvaguardando nosso entranhado compromisso com a democracia. Da mesma forma que outros países, consideramos necessário um amplo entendimento com a sociedade civil, com os expertos e setores especializados. Nossos sistemas constitucionais, a própria Carta Constitutiva da OEA, os protocolos e outros instrumentos interamericanos devem servir de quadro de referência para a aprovação da Carta Democrática. A Venezuela convida todos os setores, sem exclusão, a dar sua contribuição para que se solidifique a vontade unitária do Hemisfério. O acordo ao qual chegamos permitirá que sejam apresentados e estudados com toda a liberdade observações e contribuições, pois se trata de elaborar um documento de enorme importância.

 

Portanto, Senhor Presidente, e fundamentado nas razões e considerações expostas, reitero a solicitação de minha Delegação no sentido de que seja incorporado o conceito de democracia participativa como elemento integrante da definição que sustentará a Carta Democrática Interamericana e que, depois das consultas já referidas, consideraremos para aprovação na Assembléia Extraordinária da OEA. Não obstante as propostas e observações que faremos em busca do aperfeiçoamento do referido instrumento, o consideramos fundamental para a defesa da democracia hemisférica. Ao formular este enunciado da democracia participativa, queremos ser consentâneos com os valores superiores expressos na Carta Constitutiva da OEA.

 

Permita-me, então, Senhor Presidente, fazer a entrega desta Declaração como registro da posição de meu país, agradecendo sua devida incorporação às Atas desta magna Assembléia. Muito obrigado.

 

 

INTERVENÇÃO DO EMBAIXADOR JORGE VALERO,

REPRESENTANTE PERMANENTE DA VENEZUELA

JUNTO À ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

 

Washington, 21 de maio de 2001

 

 

Senhor Presidente, seja-nos permitido proclamar a dignidade deste debate. Celebrar o fato de que hoje realizamos um dos mais relevantes debates havidos na OEA, mesmo levando em conta seus primeiros tempos. Agradeçamos ao Governo e à Delegação do Peru e, de maneira particular, ao Embaixador Manuel Rodríguez Cuadros, por haver contribuído para a promoção desta demonstração de maturidade democrática. Reconheçamos, também, a contribuição brindada por países como a Costa Rica – anfitriã da próxima Assembléia Geral –, Argentina, Estados Unidos e Canadá, ao co-patrocinarem o projeto de Carta que estamos considerando. Felicitemos, igualmente, o Governo do México e seu Representante, Embaixador Miguel Ruíz-Cabañas, e o Chanceler do Uruguai, Didier Opertti Badan, por apresentar textos alternativos e/ou reflexões para o debate.

 

Senhor Presidente, aos nossos ouvidos soa bem o nome proposto pelo Representante do Panamá, Embaixador Juan Manuel Castulovich, que sugere chamar o significativo instrumento em consideração "Carta Democrática das Américas", embora não fizéssemos qualquer reparo se o consenso nos levasse a denominá-lo "Carta Democrática Interamericana".

 

O próprio título deste importante documento destaca a relevante natureza de seu conteúdo.

 

Nossa Delegação, à qual neste âmbito representamos em nome do povo e do Governo da Venezuela, presidido por Hugo Chávez Frias, se irmana com satisfação ao fascinante exercício de reflexão criadora que implica compromisso e cujas ressonâncias – estamos seguros – constituirão um marco na história da região.

 

Tempo estelar o que vivemos. Observamos um florescimento democrático num mundo que, com o fim da Guerra Fria, abriu esplêndidas possibilidades para avançar na conquista de novos e mais amplos espaços para a liberdade e a dignidade humanas. Não obstante, são também tempos dramáticos, quando observamos o surgimento de novos conflitos de índole política, étnica, cultural e religiosa que solapam as bases da paz e da convivência internacional. Tempos desafortunados, quando a pobreza continua a ser uma dilacerante circunstância que afeta milhões de seres humanos.

 

O tema central deste debate é a palavra Democracia.

 

Estamos ocupando-nos, precisamente, de avaliar de que maneira ela funciona nas Américas, destacando suas inqüestionáveis conquistas mas também as indisfarçáveis equivocações da realidade onde ela se insere.

 

Por aí deveríamos começar.

 

Busquemos todos, em uníssono, formas inovadoras para que a realidade se aproxime do ideário democrático, cujos princípios fundamentais estão consignados na Carta da OEA: desde sua primeira versão, aprovada em maio de 1948, a democracia tem tido no Hemisfério um qualificativo: representativa.

 

Quando são analisadas as Atas que registram o debate levado a cabo por aqueles diplomatas precursores, se constata que então se produziu um consenso, explicitamente definido como provisório, sobre o conceito de democracia representativa.

 

A Nona Conferência Internacional, realizada em Bogotá, em cujo âmbito foi aprovada a Carta da OEA, teve lugar entre 30 de março e 2 de maio de 1948. Mais de um mês de fecundos debates precedeu a aprovação desse instrumento-doutrina das Américas.

 

O Representante do Panamá, Ricardo J. Alfaro, pronunciou na sessão de 22 de abril de 1948, realizada no Salão Central do Capitólio Nacional, entre as 15h 20 e 19h, uma frase impactante: "A República do Panamá – disse ele – cujo povo é inquebrantavelmente democrático, crê que a democracia deve ser defendida sem sair da democracia"./

 

A discussão geral se concentrou no anteprojeto dos primeiros capítulos do chamado Pacto Constitutivo da OEA. O Representante do Peru, Vítor Andrés Belaunde, abriu o debate, a instâncias do Presidente da Subcomissão A, o chileno Ernesto Barros Jarpa.

 

O debate se orientou para a consideração dos princípios que a Carta da OEA devia conter. O Representante do México, Francisco A. Ursúa, disse que "…embora não seja costumeiro incluir em Tratados Internacionais o enunciado de princípios, podia-se aceitar que neste caso fosse feita esse enunciado, tendo em vista o caráter peculiar do pacto que se estava elaborando"./

 

É interessante ler as Atas dessas reuniões que precederam a aprovação da Carta da OEA. Elas retratam o ambiente político-ideológico predominante nos começos da Guerra Fria.

 

Os diplomatas daqueles tempos procederam a definir os atributos e características da democracia. Foi quando o representante de Cuba, Ernesto Dihigo, propôs que à palavra democracia fosse acrescentada a palavra "representativa", proposta que foi acolhida pelos membros da Subcomissão. Mas há uma questão que não pode passar despercebida e que ficou assim registrada na Ata:

 

A Subcomissão acordou que essa última palavra seria suprimida se posteriormente as delegações se pusessem de acordo a respeito de uma definição adequada de democracia.

Combater o comunismo era a preocupação principal que inquietava os governantes do Hemisfério nos anos subseqüentes à Segunda Guerra Mundial. As Atas por nós analisadas mostram com indisfarçável clareza o ambiente político-ideológico predominante. A Guerra Fria galvanizava a confrontação política.

 

Na Comissão de Iniciativa da Nona Conferência Internacional se declara que: "… o comunismo internacional … é um instrumento de agressão a serviço de propósitos imperialistas e constitui uma ameaça para suas instituições livres, democráticas e republicanas, para sua própria independência e soberania".

 

Contra o comunismo os governantes do Hemisfério opunham ideologias nutridas no liberalismo político. Contra as "democracias populares", que o leninismo chama de "ditaduras do proletariado", opunham a "democracia representativa".

 

Disso resultou que a democracia considerada representativa ficou consagrada na Carta original da OEA, aprovada em maio de 1948. O artigo 5, em sua alínea d, reza: "A solidariedade dos Estados Americanos e os altos fins a que ela visa requerem a organização política dos mesmos, com base no exercício efetivo da democracia representativa".

 

Nas diferentes reformas sofridas pela Carta, no Protocolo de Buenos Aires, de 1967, no Protocolo de Cartagena das Índias, de 1985, no Protocolo de Washington, de 1992, e no Protocolo de Manágua, de 1993, a definição democracia representativa se manteve inalterada.

 

Seus princípios e valores fundamentais, aprovados por todos os governos dos Estados representados nesta sala, deveriam ser examinados à luz das novas realidades de nosso tempo: a guerra fria desapareceu, a democracia, como sistema de governo, se expande em todos os continentes, totalitarismos anacrônicos foram para o monturo da história, infamantes ditaduras estão em plano de retirada, renascem e expandem-se as liberdades democráticas e vigoram os direitos humanos. Esses são os signos da nova era.

 

Senhor Presidente, aos venezuelanos nos custou muitos sofrimentos e sacrifícios alcançar a democracia. Nossa Constituição, fruto de um debate democrático e participativo, aprovada em Referendo, consagra todos os princípios democráticos mais avançados e humanistas conhecidos pela civilização do nosso tempo.

 

A democracia, como ideário, forjou os melhores destinos e inspirou as lutas de povos que buscam a paz, a justiça, a igualdade e a liberdade no nosso Hemisfério. A democracia como utopia iluminou esperanças redentoras. A luta por sua defesa e aperfeiçoamento, a vontade de exercê-la plenamente constituem um fascinante desafio para os que nos propomos a convertê-la em realidade. Grande desafio que conclama a imaginação criadora. Nas palavras de Blake (Segundo Livro Profético): "A imaginação é a própria existência humana".

 

Desde 1948 temos passado por um longo período da história no qual a governabilidade tem sido posta à prova: autoritarismos indesejáveis e democracias promissoras, liberdades amputadas e conquistas libertárias. Vivemos momentos para a reflexão, para examinar conquistas e carências.

 

A democracia em nosso Hemisfério enfrenta sérias ameaças que, como afirma a Declaração de Quebec, "assumem variadas formas". Para ser verdadeira, a democracia tem que se basear na representação, na participação e na atuação proeminente de todos os setores e não apenas de reduzidas elites que concentram – não poucas vezes de forma rudimentar e perversa – o poder político e econômico.

 

Nossa Constituição, a bolivariana, determina que, com o objetivo supremo de refundar a República, a Venezuela se propõe a "… estabelecer uma sociedade democrática, participativa e protagonística, multiétnica e pluricultural num Estado de justiça, federativo e descentralizado, que consolide os valores da liberdade, a independência, a paz, a solidariedade, o bem comum, a integridade territorial, a convivência e o império da lei…".

 

A democracia direta está consagrada no artigo 5 de nossa Constituição, no qual se declara que a soberania reside intransferivelmente no povo, que a exerce diretamente na forma prevista no texto constitucional e indiretamente, mediante o sufrágio, pelos órgãos que exercem o Poder Público.

 

O artigo 62 assegura a participação do povo no planejamento, execução e controle da gestão pública, como meio necessário para alcançar uma atuação proeminente, tanto individual como coletiva.

 

A Constituinte quis concretizar a forma pela qual o povo exerce a soberania. No político, para eleger os ocupantes de cargos públicos: o referendo, a consulta popular, a revogação de mandato, as iniciativas legislativas – constitucional e constituinte –, a discussão aberta, a assembléia de cidadãos. E no social e econômico, são mencionadas: as instâncias de atendimento à cidadania, a autogestão, a co-gestão, a empresa comunitária e outras formas associativas.

 

No que se refere à democracia local, destacam-se a participação das comunidades, associações de moradores e organizações não-governamentais na formulação de propostas de investimento perante as autoridades estaduais ou municipais.

 

Outras formas de participação previstas são a iniciativa cidadã para a emenda 341 constitucional, a iniciativa cidadã para a reforma constitucional 342 constitucional e a iniciativa cidadã para a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte 348 constitucional.

 

Nossa Carta Magna consolida e fortalece a vigência dos partidos, concedendo primazia, porém, aos mecanismos de participação dos cidadãos cuja fonte de legitimidade é a soberania popular. São consolidadas as estruturas de intermediação mas sem confiscar a titularidade da soberania.

 

A Venezuela, por esse motivo, postula a necessidade de incluir o conceito de democracia participativa na Carta Democrática. Esse é, ademais, um mandato ineludível da Assembléia Geral da OEA, constante na resolução AG/RES. 1684 (XXIX-O/1999), adotada no Vigésimo Nono Período Ordinário de Sessões, realizado na Guatemala.

 

Senhor Presidente, na Terceira Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, o Presidente da República Bolivariana da Venezuela, Hugo Chávez, fez observações muito pertinentes sobre a linguagem utilizada na parte relativa à democracia, pois na Declaração de Quebec não foi incluído o conceito de democracia participativa. Convém, antes de mais nada, recordar que esse conceito foi formulado pela Venezuela na Assembléia Geral da OEA realizada na Guatemala em 1999.

 

Em primeiro lugar, não se trata de um conceito oposto ao de democracia representativa, nem de uma alternativa à mesma. É importante ter isso em mente à luz da oposição, durante a Guerra Fria – já comentada –, dos conceitos de democracia representativa e de "democracia popular". Pelo contrário, a democracia participativa pressupõe a democracia representativa e co-existe com ela, pois a democracia representativa não é senão o exercício do poder pelo povo através de representantes livremente eleitos. A livre escolha desses representantes é uma forma essencial de participação.

 

Para que exista democracia não basta que os que exercem o poder sejam eleitos livremente. Um sistema de governo no qual os governantes não sejam responsáveis perante os que os elegeram não pode denominar-se democracia.

 

Não são poucos os exemplos de regimes, embora nascidos de eleições, cujos governantes marginalizam e oprimem sua população e nos quais os recursos do poder são monopolizados por elites. Não pode haver democracia sem respeito aos direitos humanos. O fato de terem sido eleitas não confere às autoridades o direito de exercer o poder sem limites.

 

Senhor Presidente, no sentido de garantir a efetividade da Carta Democrática, devemos assegurar-nos que de ela, do ponto de vista jurídico, seja coerente com os Tratados vigentes, especialmente com a Carta da OEA, pois um Tratado não poderia ser modificado por uma resolução ou declaração. Talvez, para tanto, seja recomendável fazer realizar um estudo pelos órgãos técnico-jurídicos da Organização.

 

O artigo 9 da Carta da OEA se refere à deposição "pela força" de um governo democraticamente constituído. No projeto de Carta Democrática são incorporados elementos da Resolução 1080 e do Protocolo de Washington. Deve ser utilizada no referido projeto, portanto, uma terminologia similar à da Carta da OEA para não haver o risco de contrariar-se disposições nela consignadas.

 

Deve ficar claro que a faculdade de suspensão somente poderá ser exercida quando tenham sido infrutíferas as gestões diplomáticas que a Organização houver empreendido.

 

Também observamos que, embora seja prevista a exclusão de um Estado que se tenha desviado da ordem democrática, não é contemplada, por outro lado, sua incorporação uma vez que tenham cessado as causas que determinaram a suspensão. Por isso é conveniente a disposição constante no projeto de Carta Democrática apresentado pelo México, no qual fica estabelecido que, para levantar a suspensão, será necessário o voto afirmativo da maioria simples dos Estados membros.

 

Senhor Presidente, queremos chamar a atenção para o fato de que a frase "qualquer alteração inconstitucional", consignada na Declaração de Quebec e que se repete no projeto de Carta Democrática, difere da terminologia utilizada tanto no Protocolo de Washington quanto na Resolução 1080.

 

Deve ser evitado o uso de conceitos ambíguos ou vagos na Carta Democrática que possam suscitar, no futuro, confusões ou discussões desnecessárias capazes de paralisar a ação da OEA.

 

O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, por exemplo, considerou que o processo constituinte originário é supraconstitucional e fundamentou a legitimidade democrática, precisamente, na soberania popular. Quanto ao restante, poderia a OEA converter-se em intérprete ou juiz das Constituições dos países membros?

 

Senhor Presidente, a Carta Democrática deve constituir um passo essencial no desenvolvimento da OEA e bem merece que lhe concedamos a importância que merece. Com fundada razão o Excelentíssimo Chanceler do Uruguai, Doutor Opertti Badan, em seus comentários preliminares sobre o tema que discutimos declarou: "…caberia talvez perguntar se não existe uma certa precipitação e se uma elaboração desta importância não mereceria um exame mais detido e a intervenção dos órgãos técnicos do Sistema, quais sejam, a Comissão Jurídica Interamericana e a Subsecretaria de Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral da OEA".

 

Por outro lado, o mandato da Cúpula constante na Declaração de Quebec instrui os Ministros das Relações Exteriores a que preparem a Carta Democrática Interamericana no âmbito da próxima Assembléia Geral. Preparar não significa necessariamente dar a aprovação final a este instrumento nesta mesma Assembléia. O mandato deve ser cumprido, dando-se os passos adequados para que sejam assegurados os altos fins visados mediante um profundo e amplo processo de consultas em nível hemisférico.

 

Nessa ordem de idéias, nos permitimos propor que a Assembléia Geral de San José convoque um Período Extraordinário de Sessões da Assembléia Geral – oxalá pudesse celebrar-se no Peru, para prestar reconhecimento à extraordinária iniciativa do Governo desse país irmão – com o propósito único de aprovar a Carta Democrática. Essa convocação deveria ser feita num breve prazo que, em circunstância alguma, excederia os seis (6) meses, pois todos estamos cônscios da necessidade de sua aprovação.

 

Nossa delegação preparou um projeto de resolução nesse sentido, mas antes de apresentá-lo gostaríamos de ter a oportunidade de examiná-lo com as demais Delegações.

 

Senhor Presidente, quando for discutido o projeto de Carta Democrática, artigo por artigo, nossa Delegação apresentará as contribuições pontuais que considerar necessárias.

 

 

INTERVENÇÃO DO REPRESENTANTE PERMANENTE DA VENEZUELA

JUNTO Á ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS,

EMBAIXADOR JORGE VALERO

 

Washington, 29 de maio de 2001

 

 

 

Em nossa intervenção de 25 de maio de 2001, expressamos a dúvida da Venezuela a respeito da expressão "qualquer alteração inconstitucional" consignada na Declaração de Quebec. Ressaltamos em várias oportunidades que a exclusão de um Estado membro do Sistema Interamericano somente procede quando se tiver cumprido o expressamente determinado no artigo 9 da Carta da OEA. Qualquer outro critério para a exclusão de um membro ultrapassaria as intenções da Carta, impondo, portanto, sua modificação, a qual somente seria possível nos termos estabelecidos pela própria Carta para sua emenda.

 

Consideramos que a expressão "qualquer alteração inconstitucional" é ambígua e precisa ser esclarecida. O que quer dizer "qualquer alteração inconstitucional? A única interpretação possível que se poderia dar é que se trate de um golpe de Estado, da deposição "pela força" de um governo democraticamente constituído (artigo 9 da Carta da OEA). Isso se dá, é certo – como bem o define a Resolução 1080- "quando ocorram fatos que ocasionem interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo exercício do poder por um governo democraticamente eleito". Quem determina quando se produz "qualquer alteração inconstitucional" em um país"?

 

Todos os países membros da OEA têm órgãos jurídicos incumbidos de velar pela observância da Constituição. Somente a eles compete determinar quando ocorreram atos ou fatos que a contradizem. Num país podem produzir-se "alterações inconstitucionais" sem que necessariamente tenha ocorrido um golpe de Estado ou uma "interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático" (Res. 1080). Nem é impensável, tampouco, que o governo de um país ou qualquer dos órgãos do poder público editem leis ou realizem atos que estejam ou possam estar em contradição com a Constituição respectiva, ou seja, que as próprias autoridades, abusando de seu poder, cometam ou realizem "alterações inconstitucionais".

 

A história política do nosso Hemisfério tem sofrido da praga de abusos de poder, de indesejáveis autoritarismos, de governos que violam suas próprias constituições. Não é o caso da Venezuela, onde existe um governo que atua no estrito cumprimento das normas constitucionais vigentes, cingido ao império da lei, e respeita a plena vigência dos direitos humanos e liberdades democráticas. Por esse motivo, a Constituição da República Bolivariana da Venezuela estabelece controles ao poder público. Concede aos cidadãos o direito e, inclusive, estabelece a obrigação de recorrer à Câmara Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça quando ocorrerem "alterações inconstitucionais."

 

 

Senhor Presidente, a proposta de Cláusula Democrática apresentada pelo Equador e pela Costa Rica (aceita pelo México) é uma base adequada para o consenso. Ela particulariza que a exclusão de um governo de um Estado membro do Sistema Interamericano é procedente quando se atua de "acordo com a Carta da Organização e o direito internacional". A referida proposta precisa os alcances e esclarece o significado da expressão "qualquer alteração inconstitucional". Nesse sentido, a Delegação da Venezuela dispõe-se a irmanar-se ao consenso.

 

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