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Comunicado de Imprensa

REDESCA expressa profunda preocupação pelo vazamento de petróleo no Brasil e faz um chamado urgente à plena efetivação do plano de contingência ambiental nas regiões atingidas

11 de novembro de 2019

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Washington, D.C. – A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa sua profunda preocupação diante do vazamento de petróleo registrado no Nordeste do Brasil, lamentando as consequências deste fato ao meio ambiente e aos ecossistemas atingidos, bem como para a vida, a saúde, e diversos outros direitos da população. Especificamente, desde o dia 30 de agosto foram registrados sinais de petróleo no Estado de Paraíba e, em seguida, se constatou a presença de óleo nas praias de Pernambuco e Sergipe. A partir de então, outros seis estados do Nordeste foram atingidos, desde o Maranhão até a Bahia. No dia 9 de novembro, foi constatada a presença de óleo até no Sudeste do país. Em total, até o presente momento se contabilizam 10 Estados, aproximadamente 110 municípios e 409 localidades, segundo dados do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, assim como mais de 225 praias foram atingidas pelas manchas de óleo – segundo fontes jornalísticas -, sendo considerada a maior tragédia ambiental em termos de extensão no país, e cujo impacto já supera 2.500 quilômetros de extensão.

A partir disso, a Relatoria Especial sobre DESCA da CIDH lamenta profundamente os danos que tal tragédia implicam para o Brasil, assim como se preocupa com o fato que, apesar da vigência de um Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), este foi acionado apenas 41 dias após a primeira aparição de petróleo na costa do país. Tal plano apresenta a estrutura da resposta institucional do governo perante esses tipos de acidentes, de modo a atribuir responsabilidades a vários órgãos, estabelecendo uma metodologia de resposta com o seu correspondente arranjo e organização financeira, e visando a permitir que os estados atingidos sejam instados a participar na tomada de decisões.

Por seu turno, o governo federal afirma que está atuando na problemática desde o dia 2 de setembro. No dia 5 de outubro, o Presidente da República emitiu um decreto solicitando a investigação do acidente, e 2 dias depois o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou a região. Ainda, o Governo declarou a configuração do Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), formado pelo IBAMA, pela Marinha do Brasil e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Por sua vez, os especialistas na matéria informaram que, embora os avistamentos ocorreram de uma maneira paulatina devida ao grande volume de óleo registrado, se mostra urgente a ativação plena do Plano Nacional, assim como a devida transparência dos trabalhos realizados pelo GAA. Do mesmo modo, a REDESCA gostaria de salientar que as autoridades locais – como o Secretário do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Conde, em João Pessoa, Paraíba – alertaram que as agências federais responsáveis pelo tema demoraram a chegar nos lugares atingidos pelo vazamento. Consequentemente, grupos da sociedade civil se organizaram para ajudar na limpeza das praias contaminadas e, segundo o IBAMA, desde a aparição do óleo nas praias do país foram coletadas mais de quatro mil toneladas de petróleo. No entanto, apenas no dia 21 de outubro a Presidência autorizou o emprego do exército na coleta do material.

É importante ressaltar que o Ministério Público Federal (MPF) dos 9 estados do Nordeste, se valendo de suas competências legais e institucionais, moveu no dia 18 de outubro uma ação pedindo que a Justiça obrigue o Governo Federal a acionar em 24 horas o PNC, para minimizar os danos ambientais e evitar prejuízos a saúde pública, com multa diária de R$ 1 milhão em caso de descumprimento. Apesar de a ação ter sido inicialmente denegada pelo Tribunal Federal, o TRF5 emitiu, no dia 31 de outubro, uma decisão sobre o recurso de apelação obrigando a União a convocar um representante do órgão estadual do Meio Ambiente de cada estado afetado para participar do colegiado do Comitê de Suporte do Plano Nacional de Contingência. Além disso, a medida confere um prazo de 48h para cumprimento da ordem judicial pela União, sob pena de multa diária de R$50 mil.

Por outro lado, a REDESCA acompanha de perto a evolução das investigações, e a atribuição de responsabilidades e reparações em relação aos fatos. Assim, segundo a informação consultada, no dia primeiro de novembro a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra duas empresas ligadas a uma agência marítima grega suspeita de derramar ou vazar o óleo. A despeito desta investigação, até o presente momento não existem provas conclusivas sobre a origem deste, sendo que a informação defendida pelas autoridades à imprensa é a de que o petróleo seria de origem venezuelana, e teria chegado ao Brasil através de um navio de bandeira grega. Nesse cenário, as autoridades brasileiras solicitam o apoio da Interpol para investigar o tema.

Frente a este grave contexto, a Relatoria Especial sobre DESCA insta o Brasil ao pleno cumprimento de suas obrigações internacionais no contexto da prevenção e atenção a desastres ambientais. Nesse sentido, a REDESCA destaca os parâmetros estabelecidos pela Corte IDH na Opinião Consuliva OC-23/17 a respeito do Meio Ambiente e Direitos Humanos no Sistema Interamericano, relacionados com a garantia pelos Estados do direito a um meio ambiente sadio, tanto a partir de um enfoque substancial, quanto processual.

No que tange a perspectiva substancial, o Estado tem a obrigação de prevenir, regular e controlar a contaminação ambiental. Tal obrigação decorre e faz parte do direito de viver em um ambiente sadio reconhecido pelo Artigo 11 do Protocolo de São Salvador, relacionado com o artigo 26 do Pacto de San José da Costa Rica, tratados dos quais o Brasil é parte. À luz dessas disposições e conforme o princípio da prevenção, os Estados devem adotar todas as medidas apropriadas, com base em uma informação precisa e cientificamente relevante, para prevenir danos ambientais e reduzir os seus impactos. Incluso quando não detém tal informação, deve-se aplicar o princípio da precaução para que os Estados tomem as medidas necessárias. De igual modo, cabe recordar que, segundo o último relatório emitido pelo Relator Especial das Naciones Unidas sobre as implicações da gestão e eliminação ecologicamente racionais das substâncias e dos resíduos nocivos aos direitos humanos, os Estados possuem a obrigação geral de prevenir a exposição a substâncias nocivas ou tóxicas de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Além disso, a REDESCA lembra que os Estados podem ser responsabilizados internacionalmente, tanto por ação quanto por omissão, quando não são tomadas as medidas necessárias e suficientes para prevenir, investigar, sancionar ou reparar acontecimentos como o tratado no presente comunicado, sejam provenientes de agentes estatais ou de atores privados. Tal obrigação também se relaciona, nesse caso, com os compromissos assumidos em diversos tratados de Direito Internacional dos quais o Brasil é parte, entre eles a Convenção Internacional de 1990 sobre a Prevenção, Actuação e Cooperação no Combate à Poluição por Hidrocarbonetos, com suas disposições relativas a planos de contingência em caso de derrames ou acidentes e sobre o marco de cooperação internacional que deve haver entre os países suscetíveis de serem afetados pelo derrame.

Outrossim, o Brasil deve realizar as investigações pertinentes a fim de determinar a causa exata do vazamento de petróleo, aplicando as sanções pertinentes aos que sejam identificados como responsáveis pela ação ou omissão pelo início e pelas consequências dessa tragédia ambiental. Conforme observado anteriormente, segundo as informações disponibilizadas, os responsáveis ainda não foram identificados e, por sua vez, a Marinha brasileira, assim como órgãos federais e estaduais distintos estão atuando em conjunto para identificar a origem do vazamento. Em contrapartida, se faz necessário recordar que a exposição crônica a substâncias nocivas pode afetar gravemente o direito à saúde e à vida digna das pessoas, dentre outros direitos humanos que também estão sujeitos a violação de maneira interdependente. Nesse contexto, de todas as informações recebidas pela REDESCA, o vazamento registrado no Nordeste do Brasil afeta o direito ao meio ambiente sadio, bem como à água, à alimentação, à moradia digna, ou à direitos culturais de amplos setores da população. Deve-se dar particular atenção aos riscos que as populações mais vulneráveis nesse cenário estão submetidas, como as comunidades tradicionais de pescadores. Em relação a tais comunidades e, particularmente, aos que vivem em uma situação de pobreza ou pobreza extrema, cabe ao Estado tomar medidas urgentes e especialmente voltadas a prevenir a exposição crônica a substâncias contaminadas, além de prevenir afetações a que podem estar sujeitos através dessa contaminação, com destaque aos seus meios de vida e direitos trabalhistas.

Segundo registros do Ministério da Agricultura, mais de 144.000 pessoas presentes nas regiões atingidas dependem da atividade pesqueira para a sua subsistência. Nesse sentido, destaca-se que, no dia 29 de outubro, o governo brasileiro proibiu a pesca de camarão e lagosta nas áreas contaminadas pelo vazamento do petróleo, medida que será aplicada entre novembro e dezembro para evitar o consumo de produtos gravemente contaminados por agentes químicos, físicos e biológicos. Entretanto, existe a informação que os produtores prejudicados – em torno de 60.000 pescadores – receberam novos subsídios governamentais para contrabalançar as suas perdas. A REDESCA estimula a adoção desses tipos de medidas, urgindo ao Brasil que priorize a realização de um diagnóstico sobre o impacto econômico e social do vazamento, com um enfoque em direitos humanos, a fim de dar uma resposta integral e urgente às afetações que os derrames estão produzindo nas populações prejudicadas, em especial naquelas em situação de maior vulnerabilidade e risco iminente, como as populações pesqueiras.

Por outro lado, no que tange ao aspecto processual, a REDESCA lembra o Brasil que, a fim de tomar decisões apropriadas, deve-se garantir o direito ao acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais. Nesse sentido, a REDESCA faz um chamado para que o país forneça os instrumentos necessários para o acesso e a utilização da informação disponível nessa temática, colocando-a à disposição da sociedade civil quando solicitada. Ainda, é urgente que o Estado, considerando a toxicidade e os potenciais riscos do petróleo, assuma a responsabilidade de informar aos cidadãos sobre os perigos que a exposição a esta substância pode gerar. Tudo isto se insere no que está contemplado pelo Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, Participação e Justiça em matérias ambientais na América Latina e Caribe, mais conhecido como Acordo de Escazú, assinado pelo Brasil e cuja ratificação imediata esta REDESCA também encoraja por meio deste comunicado.

Outrossim, através de uma abordagem baseada em direitos, requer-se a adoção de mecanismos inclusivos e participativos na tomada de decisões sobre a aplicação do PNC nos setores majoritariamente prejudicados, e que além de contemplar medidas reparatórias para as pessoas e grupos em maior estado de vulnerabilidade, também levem em conta a sensibilidade ecológica dos ecossistemas atingidos. Nesse sentido, a REDESCA recorda que várias partes da costa do país possuem uma grande diversidade ecológica, onde existem manguezais, recifes de corais, e espaços de reprodução de espécies marinhas. Sob outra perspectiva, preocupa a esta Relatoria Especial a possibilidade de o petróleo penetrar no solo e atingir os lençóis freáticos e, através da chuva, o material poderia ser transportado às bacias hidrográficas, o que contaminaria os mananciais de água doce. Nessa linha, o relatório mais recente do IBAMA aponta a morte 95 animais em decorrência do derrame, sendo a espécie mais afetada as tartarugas marinhas.

Por todas estas razões, a Relatora Especial sobre DESCA, Soledad García Muñoz, manifestou a sua solidariedade com a população e com as autoridades brasileiras diante desta tragédia sócio ambiental, e instou o Brasil a “tomar as medidas necessárias para evitar uma maior deterioração dos ecossistemas atingidos, levando em conta que o tempo, os recursos e o modo de atuar voltado aos direitos humanos são fatores chave para a efetivação de um plano de contingência que a presente situação merece”. Acrescentou também que “quanto mais lentas e parciais sejam as ações, maiores e mais irreparáveis serão os danos para a costa brasileira e a sua biodiversidade, como também para a qualidade de vida das pessoas que habitam essas regiões afetadas. Requer-se uma resposta tão urgente quanto sensível perante esses acontecimentos tão graves gerados pela contaminação, os quais também podem acelerar os efeitos da mudança climática nas costas, manguezais, pântanos, e outros habitats ecologicamente vulneráveis.”

Além disso, a Relatora Especial DESCA cumprimenta com grande admiração todo o esforço dos voluntários e das populações locais que estão trabalhando incessantemente na limpeza das praias, e expressa a sua preocupação diante da falta de informação e de equipamentes apropriados para a proteção em relação ao contato com o óleo, de acordo com as informações recebidas pelo mandato. Nesse aspecto, urge ao Brasil que assegure as medidas necessárias para a segurança do trabalho realizado principalmente pelos voluntários, bem como que as pessoas que possam ter sido afetadas pela exposição ao material recebam o tratamento médico e hospitalar adequado.

Nesse contexto, a Relatora Especial sobre DESCA reitera a sua intenção de realizar uma visita imediata de trabalho ao Brasil, e expressa a sua firme disposição em visitar as principais regiões atingidas por esse desastre ambiental, a fim de observar in loco a situação e receber informação sobre as ações empreendidas, buscando contribuir através do mandato para a efetividade e a conformidade dessas ações com os estándares internacionais de direitos humanos.

Com isso, busca também reiterar o seu chamado ao Brasil para que tome todas as medidas pertinentes de acordo com os seus compromissos nacionais e internacionais em matéria de direitos humanos e meio ambiente, com o objetivo de prevenir maiores danos e riscos advindos deste desastre ambiental, e coloca à disposição a assessoria técnica do mandato na busca de soluções que beneficiem a remediação e a recuperação dos ecossistemas atingidos, bem como a proteção das comunidades que foram atingidas pelos derrames. De igual maneira, com base no princípio da cooperação – e considerando as altas probabilidades de danos transfonteiriços que fatos dessa natureza implicam, recorda ao Estado e aos Estados Membros da OEA sobre a vigência da obrigação de cooperação a fim de prevenir, mitigar, e remediar danos ambientais no contexto de tragédias naturais ou contaminação transfonteiriça.

A REDESCA é um Escritório da CIDH, especialmente criado para apoiar a Comissão no cumprimento de seu mandato de promover e proteger os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais nas Américas.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

No. 291/19