Vigésimo aniversário da aprovação da Convenção de Belém do Pará
9 de junho de 2014
Washington, D.C. – No vigésimo aniversário da Convenção de Belém do Pará, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos gostaria de reconhecer o impacto significativo desse instrumento no desenvolvimento de normas de igualdade de gênero no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Trata-se de uma ferramenta fundamental para superar os desafios que persistem para o exercício pleno dos direitos da mulher no Hemisfério.
Aplicando as disposições da Convenção de Belém do Pará, a Comissão e a Corte formularam uma série de medidas e recomendações sobre temas paradigmáticos que afetam as mulheres nas Américas. Essas medidas desenvolveram o conteúdo do direito das mulheres de viver livres de violência e discriminação, e o dever dos Estados de agir com a devida diligência para assegurar um acesso efetivo à justiça em casos de violação desses direitos. Essas decisões abordaram desafios específicos, como as diferentes modalidades de violência enfrentadas pelas mulheres e as múltiplas formas de discriminação que sofrem com base no sexo e em outros fatores como a idade, a etnicidade e a raça, e outros desafios como a igualdade de gênero na família, entre outros aspectos. A aprovação da Convenção de Belém do Pará e a criação pela CIDH da Relatoria sobre os Direitos das Mulheres também abriram um espaço muito importante na Comissão para a elaboração de normas relacionadas aos direitos das mulheres em geral.
As decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na área de igualdade de gênero contribuíram para a consecução de avanços concretos na proteção das mulheres em âmbito nacional. A decisão da Comissão no caso Maria da Penha Maia Fernandes (2001) foi fundamental para a adoção de legislação mais sólida para combater a violência doméstica no Brasil, e promoveu um diálogo nacional sobre a necessidade de estratégias integrais para enfrentar esse generalizado e destrutivo problema de direitos humanos. A decisão da Comissão no caso Maria Eugenia Morales de Sierra (2001) provocou importantes reformas no Código Civil da Guatemala sobre os direitos e responsabilidades de homens e mulheres na área da legislação da família. O acordo de solução amistosa intermediado pela Comissão no caso Maria Merciadri di Morini (2001) resultou na promulgação de um decreto para assegurar a implementação efetiva de legislação que assegure oportunidades adequadas de participação da mulher na vida política da Argentina. No México, a sentença de Campo Algodonero (2009) da Corte Interamericana deu lugar a novas medidas de investigação e prevenção, e as decisões nos casos das irmãs Gonzalez Pérez (2001), Inés Fernández Ortega (2010) e Valentina Rosendo Cantú (2010) introduziram reformas que restringem o alcance da jurisdição militar em casos de violação dos direitos humanos.
A Convenção de Belém do Pará exigiu e apoiou a adoção de legislação, políticas públicas, programas e práticas em âmbito nacional em diversos países das Américas. Em 2011, a Comissão documentou e analisou em seu relatório “Normas jurídicas vinculadas à igualdade de gênero e aos direitos das mulheres no Sistema Interamericano de Direitos Humanos: desenvolvimento e aplicação” (2011) sentenças proferidas por tribunais nacionais de 17 países das Américas que recorrem a disposições da Convenção de Belém do Pará para fazer avançar os direitos da mulher.
Embora a aprovação da Convenção de Belém do Pará tenha aberto as portas para a elaboração das normas de igualdade de gênero no sistema, resta ainda um longo caminho a percorrer no que se refere ao completo cumprimento das decisões da Comissão e da Corte e à proteção total dos direitos da mulher na América. De acordo com cifras publicadas pela Organização Mundial da Saúde em 2013, a violência contra a mulher é um problema de proporções epidêmicas que exige ações urgentes, já que 35% das mulheres do mundo experimentaram violência física ou sexual. Há um abismo entre os esforços formais dos Estados para enfrentar esses problemas e a vida cotidiana das mulheres no Hemisfério. A vontade política de priorizar os direitos da mulher é insuficiente, e os recursos públicos destinados a esse tema são escassos. A resposta institucional às questões de direitos da mulher tende a ser homogênea, sem reconhecer as diferenças entre as mulheres. As mulheres ainda não dispõem de informação básica para exercer seus direitos humanos, e sofrem discriminação com base em fatores múltiplos como sexo, idade, etnicidade, raça e posição econômica, entre outros. Enfrentam barreiras gigantescas para exercer seus direitos à educação, à saúde e ao emprego, para ocupar cargos de tomada de decisões e defender seus próprios direitos humanos em condições seguras. Suportam o peso da impunidade da violência que sofreram no passado, e que continuam sofrendo no presente.
Todos esses problemas mostram que as disposições da Convenção de Belém do Pará são tão relevantes hoje como eram há vinte anos. A Comissão aproveita esta oportunidade para incentivar a ratificação universal da Convenção de Belém do Pará, e a adoção pelos Estados de medidas rápidas para implementar completamente as normas aprovadas pelo Sistema Interamericano interpretando o alcance das obrigações constantes da Convenção. Esse processo deve ser liderado pelos Estados em consulta com as mulheres afetadas pela violência e pela discriminação, e com sua participação e das organizações que as representam.
A CIDH é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato emana da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na matéria. A CIDH está integrada por sete membros independentes que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal e não representam seus países de origem ou residência.
No. 65/14