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Comunicado de Imprensa

CIDH expressa preocupação por recentes ataques violentos contra pessoas LGBTI na região

14 de março de 2019

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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa preocupação diante dos atos de violência e discriminação contra as pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans (LGBT) reportados desde o início de 2019 em diversos países do continente. A CIDH faz um chamado aos Estados Membros da OEA para que adotem medidas urgentes e eficazes que garantam a vida, segurança, integridade pessoal e dignidade das pessoas de orientação sexual, identidade de gênero, e diversidade corporal diversa, incluindo leis e políticas que promovam uma mudança cultural nas sociedades, assim como a investigação, julgamento e sanção dos responsáveis por tais casos.

Em 2019, a Comissão recebeu informações sobre incidentes violentos, como agressões, assassinatos com crueldade, violência sexual e discriminação contra pessoas LGBTI na região. A partir do monitoramento geral que a CIDH vem fazendo sobre a situação de violência contra pessoas LGBTI na região, recebeu informações sobre os seguintes fatos específicos, e alerta que, devido à invisibilidade do tema, estes exemplos são ilustrativos e não excluem outros que não hajam chegado ao seu conhecimento.

A CIDH obteve informações que, em 1 de janeiro, um casal gay da cidade de Porvenir, no Chile, foi agredido por dois homens, os quais atiraram uma panela com água fervente em um deles, e mergulharam o outro em um bacia com água fervente. Uma das vítimas do ataque, o senhor José David Muñoz Vargas, de 52 anos, sofreu sérias queimaduras em 22% do seu corpo, e teve que ser hospitalizado na Cidade de Santiago. Além disso, a CIDH recebeu informações que nesse mesmo dia, na cidade de Valparaíso, Chile, um jovem de 24 anos foi agredido por pessoas que haviam lhe oferecido uma carona até o setor Laguna Verde. Segundo informações recebidas da sociedade civil, a vítima foi obrigada a descer do automóvel e agredida fisicamente depois que revelou ser gay durante uma conversa telefônica. Os perpetradores das agressões apagaram um cigarro em suas mãos, e bateram na sua cabeça com uma pedra. Adicionalmente, a CIDH recebeu informações sobre o caso de estupro e agressão contra uma menina chilena de 14 anos, a qual, segundo denúncias da sociedade civil, sofreu abuso sexual pelo padrasto por ser lésbica, e foi agredida pelo pai biológico pela mesma causa. A esse respeito, a Comissão toma nota que os fatos denunciados mereceram expressões públicas de repúdio, e estão sendo investigados pelas autoridades competentes. Além disso, a Comissão observa que o próprio Presidente da República condenou todas as agressões perpetradas por motivo de orientação sexual.

Por outra parte, a CIDH tomou conhecimento sobre o assassinato de um jovem peruano de 17 anos, ocorrido em 1 de janeiro, em San Martín, Peru. O fato foi perpetrado por seu próprio pai, que teria atirado nele supostamente por ser gay e, posteriormente, se suicidou. Sobre este caso em particular, a Comissão observa que as autoridades iniciaram as investigações pertinentes e ainda não há clareza sobre a motivação do assassinato. A Comissão é consciente da dificuldade em geral para determinar se a violência é baseada ou não em preconceito, e recorda que essa determinação requer uma investigação exaustiva das causas da violência, de acordo com o princípio de devida diligência.

Adicionalmente, a Comissão tomou conhecimento que, em 5 de janeiro, na cidade de Córdoba, Argentina, o jovem gay Pablo Dell’Oso sofreu agressões devido à sua orientação sexual ao sair de uma boate, que o deixaram inconsciente. Em 5 de janeiro, em um incidente similar na Cidade de Buenos Aires, a ativista trans Lara María Bertolini foi agredida com uma garrafa que fraturou a sua cabeça quando passeava com seu animal de estimação, enquanto também sofria abusos verbais discriminatórios. A CIDH também recebeu informações sobre um ataque, ocorrido em 6 de janeiro, contra um grupo de jovens lésbicas e gays, os quais sofreram agressões verbais e físicas em uma boate após o encerramento do Festival da Diversidade da Cidade de El Bolsón (Río Negro), na Argentina. O ataque foi aparentemente provocado por um beijo dado por dois dos jovens em via pública. O Estado Argentino informou a CIDH que, tanto no caso de Pablo Dell’Oso como no caso dos jovens de El Bolsón, foram registrados boletins de ocorrência nas delegacias de polícia correspondentes.

A Comissão Interamericana recebeu com preocupação a informação sobre a morte violenta e com requintes de crueldade de Quelly da Silva, uma mulher trans de 35 anos, que foi assassinada em 20 de janeiro, em Campinas, estado de São Paulo, Brasil. Segundo as informações recebidas, o autor assassinou Quelly por considerá-la “um demônio”. Após matá-la, o indiciado teria arrancado o coração da vítima e colocado em seu lugar uma imagem religiosa. Adicionalmente, a CIDH tomou conhecimento da morte de Vanusa da Cunha Ferreira, uma mulher lésbica de 36 anos, ocorrida em 19 de janeiro no estado de Goiás, Brasil. De acordo com as informações recebidas, o acusado confessou que tentou estuprá-la fim de modificar a sua orientação sexual, e que a matou enquanto tentava vencer a resistência da vítima, que morreu devido a várias pancadas na cabeça.

A Comissão também foi informada sobre um ataque contra um casal de homens gays, ocorrido em Rosarito, no México, em 20 de janeiro. Segundo os meios de comunicação, um grupo de indivíduos teria invadido a residência do casal, no estado de Baja California, e os agrediu fisicamente com pedras. Como consequência do ataque, um deles faleceu devido a grave traumatismo craniano.

Além disso, a Comissão recebeu informações sobre o assassinato de duas mulheres trans em El Salvador, em dois incidentes distintos, ocorridos em 3 e 8 de fevereiro, respectivamente. A primeira vítima faleceu no hospital em virtude de vários traumatismos. A segunda vítima foi atacada com um facão, e também morreu no hospital devido às feridas infligidas.

Além das informações preocupantes sobre incidentes violentos contra pessoas LGBTI, que demonstram altos níveis de brutalidade e crueldade, a CIDH também continua preocupada pelo fato de existir um considerável subregistro destes incidentes, visto que frequentemente a violência contra as pessoas LGBTI não é denunciada oficialmente, nem noticiada nos meios de comunicação, o que resulta na invisibilidade da mesma. Em relação a esta problemática, os Estados Membros da OEA possuem a obrigação de implementar políticas de coleta de dados que permitam documentar melhor as manifestações específicas de violência e discriminação contra estas pessoas e, além disso, produzir informações estatísticas sobre a violência baseada na orientação sexual e na identidade de gênero, a fim de elaborar políticas que protejam os direitos humanos das pessoas LGBTI.

Em virtude disso, a CIDH reitera que quando a violência contra as pessoas LGBTI é franqueada ou tolerada, isto reproduz ainda mais a violência e alimenta os preconceitos contra estas pessoas. A CIDH observa os esforços investigativos realizados pelos Estados, e recorda aos Estados Membros da OEA que, em cumprimento de suas obrigações internacionais, têm a obrigação de agir com a devida diligência para investigar, julgar, sancionar e reparar violações de direitos humanos, incluindo assassinatos e outros fatos violentos. E ainda, ressalta que nestes casos, a devida diligência significa que os Estados devem levar em consideração as distintas formas de violência experimentadas pelas pessoas LGBTI, e ajustar as linhas de investigação para considerar possíveis motivações baseadas em preconceito por sua orientação sexual, expressão ou identidade de gênero, e/ou diversidade corporal.

A CIDH toma nota que vários dos incidentes de violência denunciados no início deste ano ocorreram em espaços públicos. Nesse sentido, a Comissão ressalta que as pessoas LGBTI, como todas as outras pessoas, possuem direito a viver livremente e sem violência ou discriminação, tanto em espaços públicos como privados. A utilização dos espaços públicos sem discriminação nem violência é um importante elemento para a inclusão destas pessoas, pois fomenta a coesão social, o intercâmbio de ideias e experiências, o respeito à diversidade, a sua participação política, além de promover um sentimento de inserção na comunidade ou no lugar onde se encontram. A esse respeito, a Relatora sobre os Direitos das Pessoas LGBTI, Comissária Flávia Piovesan, expressou que “as pessoas LGBTI não deveriam ter medo de ir a um parque público ou temer que a qualquer momento possam ser atacadas devido à sua identidade de gênero ou orientação sexual. A negação dos espaços públicos e culturais às pessoas LGBTI em virtude da violência e discriminação traduz-se em uma restrição enorme ao direito de exercer sua autonomia pessoal, a crescer livremente, a manter relações com outros seres humanos, com sua comunidade e com o mundo exterior.”

Por outro lado, a Comissão enfatiza que os atos de violência contra as mulheres, inclusive as mulheres lésbicas, bissexuais e trans, são vivenciados por elas como manifestações interseccionadas do machismo estrutural e histórico, e do preconceito contra orientações sexuais e identidades de gênero não normativas. As mulheres lésbicas correm um risco especial de violência sexual como produto da misoginia e da desigualdade de gênero. A Comissária Margarette May Macaulay, Relatora sobre os Direitos das Mulheres, acrescentou que “os Estados têm a obrigação oriunda da Convenção de Belém do Pará, de prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo as mulheres lésbicas, bissexuais, trans e intersexo. Isto faz parte do direito de toda mulher de viver livre de violência e discriminação.”

Assim sendo, a Comissão reitera que os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para prevenir as violações de direitos humanos das pessoas LGBTI sob sua jurisdição, principalmente quando sabem do risco em que se encontram essas pessoas. Além disso, a CIDH ressalta que, como parte desta obrigação, também existe o dever dos Estados de fomentar uma mudança cultural em suas sociedades, através de ações positivas, a fim de modificar os padrões sociais de violência e discriminação contra as pessoas com orientações sexuais e identidades de gênero diversas – reais ou percebidas.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

No. 065/19