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Comunicado de Imprensa

No Dia Internacional da Mulher, a CIDH chama os Estados a adotarem medidas de proteção integral contra a violência de gênero a partir de um enfoque interseccional

6 de março 2020

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Washington, D.C. – No marco do Dia Internacional da Mulher, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) chama os Estados da região a continuarem avançando na adoção de medidas de proteção integral às mulheres a partir de um enfoque interseccional, considerando os contextos e condições que potencializam a violência e a discriminação contra as mulheres. Para tanto, insta os países a implementarem medidas voltadas a prevenir, punir e erradicar a violência e a discriminação contra as mulheres, considerando a desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres.

A CIDH registra diferentes iniciativas empreendidas pelos Estados da região que têm representado avanços em matéria de proteção integral dos direitos das mulheres. Estes esforços incluem políticas públicas, decisões judiciais, legislação e outras normativas que buscam garantir às mulheres o acesso à justiça e à saúde com perspectiva de gênero; ademais, implementam medidas afirmativas focadas na correção da discriminação histórica na vida política e priorizam a mudança cultural através de uma educação com perspectiva de gênero. Nesse sentido, a Comissão tomou conhecimento dos esforços realizados no Peru, Chile e Argentina para tipificar e punir o assédio sexual em espaços públicos em nível nacional. A CIDH reconhece que o Peru foi o primeiro país na América Latina a tipificar o assédio sexual em espaços públicos por meio da Lei N° 30314. Do mesmo modo, a Comissão destaca a modificação do artigo 494 do Código Penal no Chile em 2019, que tipificou o delito de assédio sexual em espaços públicos, assim como a introdução do assédio sexual em espaços públicos na Lei N° 26.485 de Proteção integral das mulheres na Argentina em 2019.

Contudo, apesar desses avanços e de outros recentemente alcançados por alguns Estados da região, a Comissão Interamericana adverte com preocupação sobre a persistência da violência e discriminação contra as mulheres, e que se manifestam de diferentes maneiras. Com efeito, as mulheres seguem sendo vítimas de assassinatos, desaparições, tráfico de pessoas, violência sexual, discriminação e assédio laboral, gravidez precoce e matrimônio infantil. A CIDH destaca que tal violência e discriminação contra as mulheres se vê agravada de maneira particular, por múltiplos fatores, tais como origem étnico racial, classe, orientação sexual, identidade de gênero, status migratório, expressão de gênero, incapacidade, por sua condição de crianças ou idosas, ou por exercerem a defesa dos direitos humanos, território e meio ambiente. Além disso, a permanência de sérios obstáculos nos sistemas de justiça lhes impede de ter um acesso oportuno a medidas de restauração, reparação e proteção integral.

A Comissão registra ainda a existência de diferentes obstáculos que afetam o exercício dos direitos políticos das mulheres, começando pela prevalência de estereótipos de gênero discriminatórios que as mantém no ambiente doméstico e desconhecem seu papel fundamental no espaço de participação representativa. Nesse contexto, aquelas mulheres que se envolvem ativamente na vida política dos seus países enfrentam numerosas formas de violência que restringem e inibem a sua participação, incluindo atos como a queima de materiais de campanha eleitoral, assédio e pressões para que renunciem aos seus cargos; disseminação de preconceitos estereotipados e discriminatórios em meios de comunicação e em especial o assédio e os ataques baseados em gênero nas redes sociais; assim como ameaças de violência sexual e de morte e, inclusive, assassinatos. Nesse sentido, a CIDH saúda a reforma de oito artigos da Constituição do México, voltada a garantir a igualdade entre homens e mulheres no acesso a postos de representação política no país. Da mesma forma, a Comissão destaca as novas regras introduzidas pela mudança do Código da Democracia do Equador em 2020, que, além de estabelecer a paridade de gênero nas candidaturas, cria um dispositivo que pune a violência política baseada no gênero. Também saúda a aprovação do projeto de lei pelo Congresso chileno que assegura a paridade de gênero na convenção constituinte que poderia ser integrada após o plebiscito que será realizado em abril.

Nesse sentido, a CIDH chama a atenção para uma tendência crescente de discursos estereotipados pronunciados por altas autoridades públicas, nos quais inclusive se culpa as mulheres pelos abusos dos quais são vítimas. A CIDH também recorda aos funcionários com responsabilidades políticas que possuem obrigações especiais ao se pronunciarem sobre as mulheres e devem, com suas expressões, combater a violência de gênero.

No marco do Dia Internacional, a Comissão também ressalta a experiência de vida das mulheres com deficiência, que muitas vezes sofrem violações da sua autonomia e mobilidade, ao estarem expostas a um risco maior, dentro e fora do lar, de violência, lesões ou abuso, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração. Em sentido similar, as mulheres idosas sofrem de abandono ou tratamento negligente e com a violência intrafamiliar praticada por parceiros íntimos ou familiares próximos, incluindo atos de violência física e emocional e comportamento controlador. Nesse particular, a CIDH destaca a Sentença T-573-16 da Corte Constitucional da Colômbia, que em 2018 considerou que nenhuma circunstância permite a adoção de decisões que digam respeito às mulheres com deficiência através de consentimento substitutivo em matéria dos seus direitos sexuais e reprodutivos.

Por outro lado, a Comissão faz um registro dos padrões de violência baseados em gênero e potencializados pela origem étnico-racial das vítimas e demarcados em um contexto de profunda exclusão socioeconômica. Nesse sentido, a CIDH chama a atenção para os estereótipos raciais que geram a objetificação, sexualização e inferiorização das mulheres afrodescendentes como resultado de processos históricos de escravidão, colonialismo, exploração e exclusão social. Tais práticas se refletem nas altas taxas de feminicídios, na violência sexual como prática social sistêmica e na violência obstétrica. Nesse sentido, a Comissão destaca o Plano Integral da Colômbia para garantir às mulheres uma vida livre de violências, que torna visível a violência baseada em gênero das mulheres afrodescendentes, e chama aos outros Estados da região a adotarem medidas voltadas à eliminação da violência e da discriminação contra as mulheres afrodescendentes.
A Comissão destaca que a violência baseada em gênero afeta gravemente o desenvolvimento integral das meninas e adolescentes e tem um impacto significativo ao reduzir e afetar suas oportunidades de desenvolvimento pessoal, educativo, profissional, e sua capacidade de tomar decisões importantes sobre as suas vidas. A violência reproduz ciclos de pobreza e exclusão das meninas e adolescentes ao submetê-las desde tenra idade a comportamentos definidos por padrões socioculturais de discriminação e por papéis estereotipados da mulher provocando danos físicos e psicológicos e impedindo o livre exercício dos seus direitos humanos, assim como a capacidade de realizar todo seu potencial e de desenvolver suas habilidades.

Com relação às mulheres indígenas, a Comissão observa que a falta de harmonização entre leis e medidas estatais e as práticas ancestrais dos povos indígenas tem gerado danos físicos, psicológicos, espirituais, sexuais e econômicos às mulheres indígenas. Em particular, a CIDH destaca os processos de assimilação cultural forçosa dos quais padecem; a exploração ou escravização para exercer trabalhos domésticos, inclusive desde tenra idade; a criminalização dos protestos sociais pela defesa da terra, territórios e meio-ambiente; programas e práticas de esterilização forçada, entre outros. Sobre essa temática, a CIDH registra a Lei do Instituto Nacional dos Povos Indígenas do México, de 2018, que lhe atribui a função de garantir, promover e operar medidas e ações para o reconhecimento, respeito e exercício dos direitos e o desenvolvimento integral das mulheres indígenas.

Por outro lado, a CIDH segue identificando profundos desafios relacionados às mulheres em contexto de migrações, deslocamentos forçados e situações de emergência. A Comissão reconhece que as mulheres e meninas sofrem, nos distintos cenários de mobilidade humana, maiores riscos e violações concretas de direitos, e que tal violência se produz tanto nos contextos de origem, muitas vezes nos casos de deslocamentos, como também nos países de trânsito e destino. A CIDH reuniu informações sobre o impacto desproporcional dos desastres naturais, conflitos armados e outros processos de desestabilização que geram processos de mobilidade humana envolvendo mulheres e as dificuldades adicionais das quais padecem antes de poderem receber assistência e acompanhamento.

Nesses contextos, as mulheres ficam em condições extremamente vulneráveis por serem alvo de ameaças e extorsões, em particular quando são mulheres idosas ou não possuem os recursos econômicos necessários ou status migratório regular no país de destino. No mesmo sentido, mulheres e meninas estão sobre representadas entre as vítimas de tráfico de pessoas, assédio, exploração laboral e sexual, assim como encontram mais barreiras de acesso a serviços essenciais como saúde, educação e ao acesso eficaz aos seus direitos econômicos, sociais e culturais.

A Comissão também destaca que as mulheres lésbicas, bissexuais, trans e intersexuais sofrem múltiplos atos de discriminação e violência baseados em seu gênero, sua orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero, e características sexuais. A CIDH observa que as mulheres lésbicas frequentemente sofrem atos de violência voltados a modificar ou castigar sua orientação sexual, que estão carregados de mensagens e simbolismos que buscam causar o medo nas mulheres que se identificam ou que são percebidas como lésbicas. No caso das mulheres bissexuais, a CIDH reafirma que a invisibilidade a que estão submetidas leva a que os atos de violência e discriminação contra si sejam tolerados e praticados com impunidade. Nesse sentido, recorda aos Estados que a coleta de dados desagregados e atualizados facilita uma análise compreensiva do fenômeno da violência baseada em gênero, a partir de fatores de vulnerabilidade adicional que potencializam ou particularizam os riscos que enfrentam de sofrerem violência.

Por outro lado, a CIDH destaca que as mulheres trans, desde tenra idade, estão sujeitas a um ciclo de violência, discriminação e criminalização, que as coloca em situações de vulnerabilidade em diferentes âmbitos da vida diária; particularmente considerando que, devido à ausência de legislação e políticas de identidade de gênero em muitos Estados da região, essas pessoas não podem portar documentos de identificação que se conformem à sua própria identidade e expressão de gênero. Nesse sentido, a CIDH reitera que os Estados devem garantir a inclusão social das mulheres trans, assim como das pessoas de gênero diverso, incluindo o acesso a serviços de saúde com uma perspectiva de gênero.

A tudo isso soma-se a situação de empobrecimento material das mulheres, a deterioração das suas condições de vida, e o que é ainda mais grave, a alarmante taxa de feminicídios registrada pela CEPAL na região, em particular em El Salvador, Honduras, Bolívia, Guatemala e República Dominicana em 2018. Nesse contexto, a Comissão afirma que tal fenômeno não se constitui em fatos isolados de violência, mas que parte de uma cultura social de construção de estereótipos negativos e que buscam tornar inferiores as mulheres. Nesse sentido, a CIDH destaca positivamente a decisão da Corte Suprema do Peru no âmbito da Ação Popular N° 23822, que garantiu o ensino de gênero nos currículos escolares do país; assim como a promulgação da Lei N° 27.499, conhecida como Lei Micaela, que converteu em obrigatória a capacitação sobre gênero dos funcionários do Estado argentino.

Além disso, o presidente da Comissão Interamericana, o Comissionado Joel Hernandez, sublinhou a importância da paridade de gênero, destacando que “desde 2018, a CIDH está conformada majoritariamente por mulheres. Essa mudança constitui um passo adiante sem precedentes na representatividade das mulheres em cargos do mais alto nível no sistema de proteção regional de direitos humanos, crucial para o fortalecimento e a consolidação do direito à igualdade de gênero na região”.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 051/20