Por ocasião do Dia Mundial dos Refugiados, a CIDH observa os grandes desafios para a proteção integral dos direitos dos refugiados e insta os Estados a adotarem medidas eficazes e urgentes no contexto da pandemia da COVID-19
20 de junho de 2020
Washington, D.C. – Por ocasião do Dia Mundial dos Refugiados, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) destaca os crescentes desafios para a proteção
abrangente dos direitos humanos das pessoas deslocadas e com necessidades de
proteção nas Américas, e exorta os Estados membros da Organização dos
Estados Americanos (OEA) a adotar medidas para enfrentar as múltiplas
dinâmicas do deslocamento forçado. Da mesma forma, urge a que os Estados
respeitem e aprofundem os mecanismos para a ampla proteção dos direitos
humanos das pessoas deslocadas, refugiados e solicitantes de refúgio.
A Comissão observa que a mobilidade humana apresenta um conjunto complexo de
elementos e que geralmente ocorre como resultado de uma combinação de
fatores de atração e expulsão. Em particular, o deslocamento forçado se
destaca como um fenômeno multicausal, gerado por fatores como perseguição,
conflitos internos, graves e generalizadas violações dos direitos humanos e
pela ação do crime organizado. Segundo
dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR),
em 2020, a região continuará a experimentar deslocamentos forçados em larga
escala, com cerca de 18,7 milhões de pessoas deslocadas em todo o continente,
incluindo mais de 5 milhões de venezuelanos que buscam proteção em quase
todos os países da região. Juntamente com a crise humanitária na Venezuela,
a CIDH observa com preocupação a crise dos deslocamentos forçados na região
do triângulo norte da América Central. Nesse sentido, no Triângulo Norte da
América Central, quase 800 mil pessoas foram deslocadas por diferentes
fatores, como a pobreza, a ação de quadrilhas criminosas entre outros;
Na Nicarágua, a perseguição intensificada no país desde a crise de abril de
2018 teria resultado em dezenas de milhares de refugiados e solicitantes de
refúgio; de igual maneira, se observa que as restrições de acesso ao refúgio
na fronteira Sul dos Estados Unidos teriam sido aprofundadas.
No contexto da pandemia do COVID-19, a Comissão manifesta sua preocupação
especial com os impactos das políticas que restringem a mobilidade
internacional de pessoas, fecham fronteiras, suspendem garantias processuais
e interrompem o funcionamento de audiências e instituições de imigração. e
dos sistemas nacionais de asilo na região. Nesse sentido, exorta os Estados
a adotarem diversas medidas, tais como: i) garantir a todas as pessoas
forçadas a sair de seus países o acesso ao território e aos procedimentos de
proteção, especialmente ao refúgio, assim como respeitar o princípio de
não-devolução; ii) compatibilizar medidas de saúde pública com as garantias
do devido processo nos procedimentos para determinar o status de pessoa
refugiada, bem como com outros mecanismos de proteção relevantes; iii)
aprofundar os esforços para responder a movimentos migratórios mistos
massivos de pessoas deslocadas pelas crises humanitárias na região; iv)
aprofundar as ações para garantir os princípios de não-discriminação e a
abordagem interseccional das políticas públicas, principalmente considerando
o impacto desproporcional e diferenciado baseado nas discriminações
estruturais de gênero, raça, idade, classe social, e v) fortalecer ações em
tempos crise e de emergência em saúde para prevenir e evitar a xenofobia,
discursos estigmatizantes e qualquer violência ou violação de direitos.Essas
recomendações estão consagradas nos
Princípios Interamericanos sobre os direitos humanos de todas as pessoas
migrantes, refugiadas, solicitantes de refúgio, apátridas e vítimas de
tráfico de pessoas nas Américas, na
Resolução 01/2020 da CIDH sobre Pandemia e Direitos Humanos, bem como
recomendações complementares sobre a proteção das pessoas refugiadas no
contexto da pandemia.
Em relação ao acesso ao território e aos procedimentos de asilo e proteção
complementar, a Comissão observa a persistência de práticas que restringem o
acesso a territórios nas Américas, acompanhando as respostas nacionais à
pandemia do COVID-19. Nesse sentido, a CIDH observa com especial preocupação
o uso de argumentos de segurança sanitária para reduzir o acesso aos
sistemas nacionais de asilo, a aceleração dos processos de expulsão do país
que põem em risco o princípio de não-devolução e as propostas de mudanças
estruturais nos sistemas de asilo que aumentariam os obstáculos para as
pessoas peçam refúgio.
Por outro lado, a CIDH alerta que, ao longo de 2020, a emergência sanitária
internacional teria potencializado os riscos pré-existentes apresentados
pelas graves crises humanitárias nos níveis global e regional. De acordo com
a
avaliação do ACNUR, a CIDH observa que o aumento da violência e
insegurança crônicas, juntamente com as medidas restritivas tomadas em
resposta ao vírus COVID-19, estão aumentando as dificuldades vividas por
dezenas de milhares de pessoas na região do Triângulo Norte da América
Central. Nesse sentido, fatores de violência forçaram cerca de 720,00
pessoas na região a se deslocarem de maneira forçada e, durante a pandemia,
expôs milhares de outras pessoas já deslocadas ao confinamento em ambientes
domésticos inseguros ou a sofrerem desproporcionalmente os impactos
socioeconômicos da emergência sanitária, especialmente mulheres, meninas e
meninos refugiados, que, como observou a Comissão em
comunicado específico, reforça a necessidade de uma abordagem
interseccional e da perspectiva de gênero. Da mesma forma, por meio de seus
diferentes mecanismos de monitoramento, a CIDH adverte que os bloqueios
relacionados ao COVID-19 em países da região resultaram em um aumento no uso
de rotas informais e em passagens de fronteira inseguras e mais violentas, o
que coloca as pessoas deslocadas em uma situação ainda mais vulnerável.
Com relação à luta contra a xenofobia e aos discursos estigmatizantes, a
Comissão reitera aos Estados o apelo contemplados em sua
Resolução 01/2020 sobre Pandemia e Direitos Humanos nas Américas, a fim
de implementar medidas para prevenir e combater esses fatores de
discriminação e evitar o uso de linguagem discriminatória e de qualquer
incentivo a reações violentas por atores privados e autoridades públicas.
Portanto, a CIDH reitera que as políticas migratórias e os discursos
públicos mais voltados para a proteção integral dos direitos humanos das
pessoas migrantes e deslocadas forçadas em geral proporcionam melhores
ambientes para a identificação rápida das necessidades de proteção
correspondentes, como refúgio.
A Comissão também reconhece o valor do trabalho das pessoas refugiadas,
solicitantes de refúgio e migrantes que, neste momento de pandemia e
emergência sanitária, contribuíram e continuam a contribuir nos mais
diversos papéis para a resposta à emergência de saúde na região. A CIDH
destaca o caso de pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio que aplicam
seu treinamento médico, em outras áreas da saúde e sua energia humana em
ações de assistência direta e nos serviços essenciais. Nesse sentido,
recorda sua
recomendação aos Estados de avaliar, de acordo com os instrumentos e
regulamentos que possuam, a possibilidade de fortalecer o pessoal de saúde e
outros serviços que são demandados devido ao contexto da pandemia, mediante
a incorporação de migrantes e refugiados capacitados, facilitando os
procedimentos necessários para a sua atividade profissional.
Nesse contexto, a CIDH insta os Estados a avaliar constantemente, através de
seus sistemas nacionais de asilo, os meios de expansão e fortalecimento do
refúgio, como as possibilidades de aplicar a definição ampliada estabelecida
pela
Declaração de Cartagena de 1984, ao avaliar os novos riscos e fatores de
deslocamento. Além disso, a Comissão solicita aos Estados que levem em conta
a
Declaração e no Plano de Ação do Brasil de 2014, que convida os países a
assumirem compromissos como melhorar a análise e o conhecimento sobre o tema;
abordar as causas do deslocamento; fortalecer as capacidades institucionais
para promover o reconhecimento do status de refugiado; e expandir canais de
migração regulares, seguros e acessíveis. Da mesma forma, a Comissão destaca
a importância de ações coordenadas entre os Estados, a comunidade
internacional e diferentes setores sociais – como organizações
não-governamentais, academia, empresas, comunidades de acolhida e outros
atores – no desenvolvimento e implementação de soluções duradouras que
constituem o núcleo da proteção integral dos direitos dos refugiados. A CIDH
destaca que essa proteção coincide com o espírito das declarações regionais
sobre o assunto, com suas próprias recomendações e com os parâmetros
jurídicos interamericanos, conforme recomendado na
Resolução 2/2018 sobre deslocamento forçado na Venezuela.
Além disso, a Comissão toma nota dos esforços que vários países da região
empreenderam para lidar com situações de deslocamento forçado de pessoas da
Venezuela e de outras nacionalidades da região. Isso, para que essa
população possa exercer direitos, como acesso a autoridades de asilo, acesso
a um território e a proteção especial de não-devolução, entre outras
garantias estabelecidas pelo Direito Internacional das Pessoas Refugiadas.
Nesse sentido, a CIDH destaca ações como a cobertura dos direitos da
população refugiada e sua inclusão socioeconômica na Argentina; medidas para
estender a validade de documentos temporários para requerentes de status de
refugiado na Bolívia; e o estabelecimento de corredores humanitários na
Colômbia, em três pontes internacionais na fronteira Colômbia-Venezuela. No
Brasil, de acordo com informação apresentada pelo Estado, a Comissão destaca
a implementação de medidas recentes como a extensão da validade de
documentos e modernização de sistemas; a inclusão sem discriminação de todas
as pessoas migrantes e refugiadas no programa de renda mínima emergencial em
resposta à pandemia; a aplicação da definição da Declaração de Cartagena
para o reconhecimento de pessoas venezuelanas como refugiadas, também
beneficiadas pela continuidade da operação acolhida; e medidas contra a
xenofobia.
Considerando o exposto, a CIDH, aproveitando a passagem do Dia Mundial dos
Refugiados, solicita aos Estados que redobrem os esforços nacionais e
regionais para enfrentar os fatores que promovem o deslocamento forçado e
solicita que, com a participação de todos os setores sociais, sejam agentes
de mudança, assumam o compromisso com a construção de melhores políticas e
adotem medidas de migração seguras, abertas e regulares, para que essas
pessoas que buscam uma promessa de futuro não sejam vítimas de atos de
violência, exploração ou discriminação de qualquer natureza.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.