A RELE expressa sua preocupação pela condenação criminal de uma jornalista no Brasil

27 de dezembro de 2023

Washington, D.C. - A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta sua preocupação pelas sentenças que condenaram a jornalista brasileira Schirlei Alves à prisão e ao pagamento de indenização civil por difamação, após publicar uma reportagem crítica à atuação judicial em um caso de violência sexual no Brasil. A RELE alerta para o efeito dissuasivo que esta decisão pode ter na liberdade de expressão, particularmente para as mulheres que denunciam a violência de gênero.

Segundo informação pública, no último mês de novembro, a 5ª Vara Criminal de Florianópolis condenou a jornalista Schirlei Alves a um ano de prisão em regime aberto e a pagar 400 mil reais (cerca de US$ 80 mil) de indenização em favor do juiz e do promotor que a processaram pelo suposto crime de difamação. A sentença, prolatada em primeira instância, ainda pode ser revisada em instâncias superiores com a interposição de apelação.

A decisão está relacionada com uma reportagem publicada em 2020 pela jornalista no jornal The Intercept Brasil, na qual ela descreveu uma série de falas humilhantes de um advogado, durante o transcurso de audiências judiciais, contra uma vítima de violência sexual, e criticou decisão tomada no referido processo em primeira instância. Em 14 de novembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça sancionou administrativamente o juiz que julgou o caso com advertência, por não ter conduzido devidamente a audiência e por ter permitido “excessos de comportamento do advogado de defesa do réu”.

A Relatoria já havia registrado supostas violações à liberdade de imprensa após a publicação da matéria de Schirlei Alves. Em novembro de 2020, um juiz determinou que o The Intercept Brasil e outros meios de comunicação editassem as reportagens que publicaram sobre as audiências do caso. Essa decisão gerou fortes reclamações de organizações da sociedade civil e foi considerada, pelos meios de comunicação envolvidos, uma interferência direta em seus trabalhos jornalísticos.

Conforme a RELE tomou conhecimento, a reportagem de Schirlei Alves teve um impacto importante a nível social e contribuiu para alterações legais. Por exemplo, em 2021, foi aprovada uma lei para " coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo ".

A Relatoria Especial recorda que, como já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, "no caso de discursos protegidos por seu interesse público, como o que se refere à conduta de agentes públicos no exercício de suas funções, a resposta punitiva do Estado por meio do direito penal não é convencionalmente procedente para proteger a honra do funcionário". A Corte também já apontou que a imposição de uma sanção civil elevada pode ser tão intimidadora e inibidora ao exercício da liberdade de expressão quanto uma sanção penal, pois tem o potencial de comprometer a vida pessoal e familiar de quem denuncia um agente público, resultando em autocensura.

Além disso, este Escritório destaca que o jornalismo é um canalizador privilegiado de debate público e os meios de comunicação desempenham um papel crucial na erradicação dos padrões socioculturais de violência e discriminação contra as mulheres. Como indicado pela RELE no Relatório "Mulheres e Liberdade de Expressão", os Estados devem reconhecer esse papel positivo que a imprensa pode desempenhar na conscientização sobre a prevalência de estereótipos, preconceitos e atitudes preconceituosas em relação às mulheres por causa de seu gênero e o impacto em seu direito de viver uma vida livre de violência e discriminação.

Como observado na Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Justiça de Gênero de 2022, as mulheres que denunciam violência de gênero não devem ser acusadas de difamação criminal, nem devem ser submetidas a processos mal-intencionados por difamação. Os Estados devem assegurar que tais expressões gozem de proteção especial, pois, ao deixar de fazê-lo, podem dificultar a erradicação da violência contra as mulheres.

Diante das considerações anteriores, a Relatoria realiza um chamado para que o Estado respeite e garanta o direito à liberdade de expressão para que as autoridades judiciais competentes para revisar o caso em instâncias superiores tomem em consideração os estândares interamericanos sobre liberdade de expressão.

A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão é um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para incentivar a defesa hemisférica do direito à liberdade de pensamento e expressão, considerando seu papel fundamental na consolidação e desenvolvimento do sistema democrático.

No. R318/23

12:23 PM